Universidade Federal do Rio de Janeiro
Cives
Centro de Informação em Saúde para Viajantes



Doença da altitude


Terezinha Marta PP Castiñeiras, Luciana GF Pedro & Fernando SV Martins


A quantidade de oxigênio disponível na atmosfera é inversamente proporcional ao nivel da altitude. A doença da altitude é causada pelo deslocamento para locais muito elevados, mais rápido do que a capacidade de adaptação do indivíduo à redução dos níveis de oxigênio. A suscetibilidade é individual e as manifestações podem variar de transtornos leves ("mal da montanha, "soroche") a quadros potencialmente fatais de edema cerebral ou pulmonar. A ocorrência da doença depende primariamente da magnitude altitude e da rapidez com que ela é atingida e não do modo como o indivíduo chegou ao local e nem da sua condição física.

Riscos

O ar atmosférico tem em sua composição 21% de oxigênio. A pressão atmosférica, ao nível do mar, é de 760 mmHg (milímetros de mercúrio), o que corresponde a uma pressão parcial de oxigênio de 159,6 mmHg (21% de 760). A disponibilidade do oxigênio depende de sua pressão parcial na atmosfera. Como a pressão atmosférica diminui à medida que a altitude se eleva, a pressão parcial (e a disponibilidade) do oxigênio também se reduz proporcionalmente. Em um local com 2500 metros de altitude, a pressão atmosférica é de 544 mmHg e a pressão parcial do oxigênio é de 114,4 mmHg (21% de 544) e neste ambiente existe apenas 71% do oxigênio disponível ao nível do mar. O nível de oxigênio no sangue é detectado por sensores situados no cérebro. Quando a concentração de oxigênio fica reduzida, os sensores comandam um aumento da freqüência respiratória (taquipnéia) e da freqüência cardíaca (taquicardia) para compensar a redução da oxigenação, podendo gerar sensação de “falta de ar”.

A doença da altitude resulta do deslocamento para locais muito elevados mais rápido do que a capacidade de adaptação do indivíduo. O principal fator desencadeante é a baixa oxigenação dos tecidos do corpo, decorrente da incapacidade de compensar fisiologicamente a baixa concentração de oxigênio do ar inspirado. As manifestações podem surgir acima de 1.500 metros, porém são mais frequentes em altitudes superiores a 2.500 metros e estão relacionadas com a velocidade de subida, a altitude máxima atingida e características fisiológicas individuais (como a capacidade de hiperventilar). A suscetibilidade é individual e a doença da altitude pode afetar qualquer pessoa, incluindo as saudáveis e fisicamente bem preparadas e os atletas. As consequências, no entanto, tendem a ser mais graves em crianças e naqueles indivíduos que apresentem condições como gravidez ou doenças de base (cardíacas, pulmonares, anemia, traço falcêmico etc.). As gestantes devem evitar os locais com altitude superiores a 3.600 metros. Condições de base como anemia falciforme, angina instável, hipertensão pulmonar e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) grave são contraindicações para a viagens a regiões de altitude muito elevadas. Viajantes com antecedentes de doença da altitude tem maior risco de voltar a desenvolver as mesmas manifestações.

Medidas de proteção

O risco de doença da altitude pode ser reduzido através de aclimatação adequada, o que durante as escaladas incluiu a subida de forma lenta e gradual e com paradas para pernoite em altitude sempre inferior à que foi atingida durante o dia. A velocidade ideal de subida é individual, mas acima de 3.000 metros a diferença recomendada entre os acampamentos noturnos é de 300 metros, não devendo ultrapassar 600 metros. Nas situações em que a descida para pernoite seja complexa, é mandatória a utilização de uma câmara hiperbárica portátil para criar um ambiente semelhante ao de altitudes mais baixas. Quando a escalada é feita em grupo o risco de doença da altitude pode ser maior, uma vez que existe uma tendência dos individuos de ocultar as manifestações para não "atrapalhar" a atividade. Isto é um erro grave, que pode resultar em mortes.

Nos deslocamentos rápidos (viagens de avião ou de carro) para locais de altitude elevada, ou em situações onde não seja possível uma programação adequada de aclimatação ou quando o viajante tiver predisposição conhecida (história de episódio anterior), o emprego de medicamentos (acetazolamida, dexametasona, nifedipina etc.) pode estar indicado para profilaxia ou tratamento da doença da altitude. A droga mais empregada na profilaxia, que deve ser utilizada apenas sob prescrição médica, pode acentuar a tendência à desidratação e está contraindicada em pessoas com alergia às sulfas. O medicamento deve ser iniciado um dia antes do início da subida e mantido durante dois dias após a altitude máxima ter sido atingida. Em regiões montanhosas é também importante que o viajante utilize as medidas de proteção contra a exposição excessiva à luz solar. Adicionalmente, mudanças bruscas na pressão atmosférica podem resultar em barotrauma de ouvido médio que é mais comum durante as aterrissagens de aeronaves ou nas decidas de locais montanhosos com a utilização de veículos automotores.

O chá de coca, comumente utilizado por pessoas que viajam para locais de altitude elevada na América do Sul, não tem comprovação científica da eficácia. Portanto, não deve ser utilizado para a profilaxia ou tratamento da doença da altitude. A argumentação de que as populações locais o utilizam para combater o "mal da montanha" é destituída de fundamento. As pessoas que residem em locais de altitude elevada estão, por este motivo, como parece óbvio, perfeitamente aclimatadas.


Recomendações => altitude

  • Não viajar sem antes saber a altitude do local de destino. A Internet permite obter esta informação, com relativa facilidade.
  • Procurar orientação médica com antecedência, quanto aos riscos, manifestações doença da altitude e ao uso de medicamentos
  • Aprender a reconhecer as manifestações iniciais das doenças relacionadas com a altitude. As crianças de baixa faixa etária podem apresentar irritabilidade e perda de apetite.
  • Não utilizar recursos sem comprovação da eficácia (como o chá de coca).
  • Nos deslocamentos rápidos (avião, carro) para locais de altitude elevada, evitar durante a estada (mais importante nos dois primeiros dias) bebidas alcoólicas, grandes quantidades de alimentos e atividades que exijam esforço físico excessivo. A ingestão de líquidos (água, principalmente) é importante para manter a hidratação adequada.
  • As gestantes devem evitar os locais com altitude superiores a 3600 metros.
  • Nas caminhadas ou escaladas é essencial o acompanhamento feito por guias experientes.
    • Programar aclimatação adequada. A subida dever ser lenta e gradual e as paradas para pernoite devem ser em altitude sempre inferior à que foi atingida durante o dia. Nenhuma medida substitui a aclimatação adequada.
    • Materiais específicos para suporte, como suplemento de oxigênio, câmara hiperbárica portátil e dispositivo de ventilação não invasiva, devem estar disponíveis em caso de necessidade. Adquirir ou viajar com guias que disponham destes equipamentos.
    • Não continuar a subida, enquanto as manifestações iniciais da doença da altitude não desaparecerem. Ao ocultá-las, o viajante estará colocando em risco a própria vida.
    • Se houver piora do quadro inicial ou persistência das manifestações, o viajante deve descer pelo menos 500 metros, o mais rápido possível.
    • Em casos com suspeita de edema cerebral ou edema agudo de pulmão, a descida deve ser feita imediatamente, de preferência com suplemento de oxigênio. Se a descida imediata não for possível, deve ser utilizada uma câmara hiperbárica portátil até que ocorra a melhora das manifestações.

Manifestações

A apresentação clínica mais comum da doença da altitude é o "mal da montanha", que é caracterizado pelo aparecimento de dor de cabeça de intensidade variável, que pode ou não estar associada à perda do apetite, náuseas, vômitos, cansaço, tonteira e alteração do sono. Pode acometer cerca de 25% das pessoas que visitam locais com altitude superior a 2.500m e as manifestações iniciais geralmente surgem 6 a 12 horas após a chegada. As manifestações tendem a desaparecer após os dois primeiros dias de aclimatação. No entanto, podem se intensificar progressivamente ou ser acentuadas desde o início. O atendimento médico deve ser procurado rapidamente, uma vez que a doença pode evoluir para edema cerebral, que é uma condição grave e potencialmente fatal. As crianças tem suscetibilidade à doença da altitude  semelhante a dos adultos, porém as manifestações iniciais podem, principalmente nas faixas etárias mais baixas, ser diferentes (irritabilidade e perda de apetite). Em altitudes muito elevadas, as pessoas que foram submetidas à ceratotomia radial (procedimento cirúrgico pouco utilizado atualmente) para correção de distúrbios visuais podem apresentar dificuldades (visão embaçada), principalmente, para ver objetos de perto (hipermetropia aguda). Com os procedimentos atuais (como cirurgias a laser) os problemas visuais, quando ocorrem, são discretos.

O edema cerebral é uma progressão das manifestações iniciais da doença da altitude. É uma condição grave, relativamente rara, caracterizada pela perda da coordenação dos movimentos (com alteração da marcha) e diminuição do nível de consciência, podendo evoluir para coma e, em seqüência, ocasionar a morte. Comumente está associado com o edema pulmonar, uma outra forma de manifestação da doença da altitude. O edema pulmonar, que geralmente ocorre 2 a 4 dias após a chegada, pode se apresentar isoladamente ou em associação com o "mal da montanha" ou com o edema cerebral. As manifestações iniciais do edema pulmonar são cansaço excessivo, falta de ar e tosse seca que progride para expectoração sanguinolenta. Quando ocorre o edema cerebral ou o edema pulmonar, o atendimento médico deve ser procurado o mais rapidamente possível. O sucesso no tratamento depende do início precoce das medidas de suporte. Nas escaladas, o viajante deve ser levado imediatamente para uma região de menor altitude, fazendo o mínimo possível de esforço físico e utilizando oxigênio. Caso a descida imediata não seja possível, deve ser utilizada uma câmara hiperbárica portátil ou, se não disponível, oxigênio suplementar. Adicionalmente, pode ser necessária a administração de medicamentos (dexametasona, nifedipina etc.).

Disponível em 12/06/2011, 22:48 h. Atualizado em 06/08/2011, 10:05 h.
 
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