Cives
Centro de Informação em Saúde para Viajantes |
A diarréia é o principal problema de saúde durante viagens, afetando de 10 a 50% dos viajantes. O termo diarréia dos viajantes define um grupo de doenças que é resultante da ingestão de água e alimentos contaminados por agentes infecciosos e que tem a diarréia como manifestação principal. Em geral a diarréia dos viajantes tem duração de dois a três dias, mas pode causar desconforto e impedir a realização de atividades importantes. Pode ainda evoluir com complicações como a desidratação, o que é mais comum em crianças pequenas, idosos e portadores de doenças crônicas.
Transmissão
Os
agentes infecciosos
(bactérias, vírus, helmintos e
protozoários)
são
a principal causa de diarréia
e intoxicações
alimentares em
viajantes. A maioria dos agentes infecciosos
pode
ser adquirida através de transmissão
fecal-oral, resultante da contaminação da água
e
alimentos por
dejetos, direta
ou indiretamente. Nos alimentos, a
contaminação pode ocorrer antes, durante
ou após o preparo. O armazenamento incorreto de
alimentos (ou insumos) em
temperaturas inadequadas
(entre 5 e 60 °C) por um período longo de tempo (horas)
facilita a multiplicação dos agentes
infecciosos.
A
diarréia dos viajantes,
em geral, é uma infecção
alimentar, ou seja,
ocorre após
a ingestão de água
ou
de
alimentos contaminados
por um agente infeccioso, que pode
multiplicar-se no trato digestivo humano. O agente infeccioso
pode
causar diarréia por ser invasivo (como a
Salmonella spp.) ou, não sendo invasivo (como a Escherichia
coli produtora de toxinas), por ser capaz de produzir
enterotoxinas,
após multiplicar-se no
interior do organismo humano. As
intoxicações
alimentares resultam
da ingestão de toxinas que
causam vômitos (principalmente) e diarréia
e que são produzidas antes da ingestão dos
alimentos (toxinas
pré-formadas) por agentes
infecciosos (como
o
Staphylococcus
aureus). As intoxicações
alimentares são eventos freqüentes também em
países desenvolvidos e
por
terem mecanismos de transmissão e medidas de
proteção
semelhantes, são relacionadas à diarréia
dos
viajantes.
A
transmissão dos agentes infecciosos é resultante
da ingestão de água
ou
de
alimentos contaminados.
A
freqüência de cada agente infeccioso como causa de
diarréia dos viajantes e de
intoxicações
alimentares pode
variar de acordo com
países
e regiões visitadas. As
bactérias são a
principal causa de diarréia dos viajantes e, dependendo
do local de destino, a Escherichia coli enterotoxigênica
(produtora de toxinas – ETEC) pode ser responsável por
25-50% dos casos, seguida em freqüência por espécies
de Shigella, Salmonella e Campylobacter. Os
vírus (adenovírus, astrovírus, rotavírus
e calicivirus) podem ser causa importante diarréia em
pessoas que viajam e surtos em navios causados por norovírus
(um dos calicivirus) são relativamente comuns. Os parasitas
intestinais (Giardia lamblia, Entamoeba histolytica,
Cryptosporidium parvum e Cyclospora cayetanensis)
geralmente são os responsáveis pelas diarréias
mais prolongadas, com duração superior 14 dias.
As principais causas de intoxicações alimentares
são as enterotoxinas produzidas por Staphylococcus
aureus (toxina emética => vômitos)
e Bacillus cereus
(toxina emética e toxina diarréica),
bactérias que podem contaminar os alimentos antes, durante ou depois da
preparação. A influência do
consumo de
bebidas
alcoólica,
do stress
e da mudança na dieta como causa de diarréia ainda não
está claramente
definida e, provavelmente estes fatores são responsáveis
por uma parcela dos casos leves que evoluem sem febre ou comprometimento significativo da
saúde
do viajante.
Riscos
O
risco
de
diarréia dos
viajantes e
de intoxicações alimentares
existe em qualquer país do mundo e é consideravelmente
maior durante o verão. A diarréia dos
viajantes acomete
cerca de 10% (países desenvolvidos) a 50% (países em
desenvolvimento) das pessoas que viajam. Ainda que, geralmente, seja de
curta duração (dois a três
dias), pode levar à total incapacidade
de realizar atividades programadas. Considerando a
freqüência
da doença, a interrupção das atividades, em
determinadas circunstâncias, pode causar enormes transtornos e,
adicionalmente, ter impacto financeiro significativo. Para pessoas
que viajam por motivo de trabalho, militares em missões e
atletas em competição, a incapacidade de realizar
adequadamente atividades programadas pode resultar em prejuízos
significativos e potencialmente não reparáveis.
Os
hábitos
alimentares
do viajante e da
população local e a estação do ano
(verão) são
fatores de risco importantes. O
consumo de alimentos preparados por vendedores
ambulantes ou de
alimentos crus (como frutos do mar) constituem fatores de risco
elevado. A alimentação compartilhada, feita com outras
pessoas em um mesmo recipiente, ou a ingestão de alimentos com
o auxílio das mãos, comum em muitos países,
aumenta o risco de aquisição de agentes
infecciosos. O
desenvolvimento das manifestações depende de fatores
como tamanho do inóculo (quantidade de microorganismos
ingeridos), virulência dos agentes infeciosos e
mecanismos individuais de
defesa. Para algumas bactérias,
como a Escherichia coli enterotoxigênica, é
necessária a ingestão de um grande número de
microorganismos (106
microorganismos) para
provocar diarréia, o que ocorre com maior facilidade em
regiões com infra-estrutura de saneamento básico
precária. Para outras bactérias, como a Shigella,
um pequeno inóculo (menos de 200 microorganismos) é
capaz de desencadear diarréia, o que pode resultar em
aumento da incidência de contaminação dos
alimentos e da água através de manipulação
inadequada ou por insetos (moscas, baratas), mesmo em locais com
saneamento básico adequado.
As pessoas com comprometimento dos mecanismos de defesa, como ocorre nos extremos de idade (idosos e crianças), quando existe diminuição da acidez gástrica, nos gastrectomizados, nas doenças crônicas intestinais e nas imunodeficiências, têm um risco maior de desenvolver diarréia dos viajantes. Os viajantes que são portadores de insuficiência renal crônica, insuficiência cardíaca congestiva, diabetes insulino-dependente, ou doenças inflamatórias intestinais são particularmente susceptíveis à variação da quantidade de água e sais minerais no organismo, e estão sob risco de descompensar a doença de base em razão da diarréia. Em viajantes, a diarréia pode ser uma conseqüência de doenças infecciosas mais graves e potencialmente fatais, como as formas graves de cólera (que deve ser sempre investigada quando a diarréia é profusa), a febre tifóide e a malária (ambas cursam com febre).
Medidas de proteção individual
O risco de
diarréia
dos viajantes
e de intoxicações
alimentares pode
ser significativamente
reduzido através da
adoção sistemática
de
medidas
de proteção contra doenças
transmitidas
por
água
e
alimentos. A
seleção de alimentos seguros e o consumo de água
tratada são essenciais, ainda que não sejam tarefas
simples por envolverem mudanças individuais de
percepção
de riscos, atitudes e hábitos.
Em
geral, a aparência, o cheiro e o sabor
dos alimentos não ficam alterados pela
contaminação
com os agentes infecciosos. Para reduzir os riscos,
o
viajante
deve alimentar-se em locais que tenham
condições higênicas adequadas e observar cuidados
adicionais na seleção de alimentos. Os alimentos de maior
risco são os mal cozidos ou crus, como as saladas, os frutos
do mar, os preparados com ovos (como maionese, molhos, sobremesas
tipo mousse), leite e derivados não
pasteurizados
(queijos, iogurtes, cremes), sucos, sorvetes e bebidas (batidas,
caipirinhas) que contenham
água não tratada ou gelo. O consumo de alimentos
expostos (como
em buffets) à
temperatura ambiente por períodos prolongados (horas), implica
em risco elevado de adoecimento. Em razão
disto, deve ser preferido o consumo de alimentos bem cozidos ou
fervidos,
preparados na hora do consumo e servidos ainda quentes ("saindo
fumaça"). No entanto, não devem ser
consumidos alguns alimentos
que são “preparados na hora”
(como hambúrgueres e sanduíches) quando não
houver segurança de que os produtos necessários foram
armazenados em locais e temperaturas adequadas.
Neste sentido, deve ser considerado que o
aquecimento dos alimentos posterior à
preparação
pode inativar a toxina diarréica, porém
não
destrói as toxinas eméticas que causam as intoxicações
alimentares. Em qualquer
país
do mundo, a
alimentação com vendedores ambulantes
deve ser evitada, por constituir um risco elevado para a
aquisição
de doenças.
Em uma área não possui
infra-estrutura de saneamento básico adequada, a água
para consumo deve ser tratada
pelo
próprio
viajante. O tratamento
químico da água a ser utilizada como bebida ou no
preparo de alimentos pode ser feito com compostos halogenados (cloro
ou iodo). O cloro e o iodo são capazes de eliminar a maioria
dos agentes infecciosos e têm
eficácia semelhante, quando utilizados nas
concentrações
e por períodos de tempo adequados. No entanto, os oocistos do
Cryptosporidium parvum (que pode causar diarréia
em imunodeficientes) são resistentes a ambos. Além
disto, deve ser considerado que o iodo ingerido com a água
pode induzir o mau funcionamento tireóide, quando utilizado
por longo período ou em indivíduos predispostos. Os
compostos iodados estão absolutamente contra-indicados em
gestantes e em pessoas portadoras de doenças
tireoidianas. Os filtros portáteis podem ser
úteis no tratamento da água
para consumo e quando têm diâmetro
dos poros entre 0,1 a 1 µm,
removem a maioria bactérias, helmintos e protozoários,
mas
não
eliminam os vírus de forma efetiva. Em
razão disto,
o viajante deve utilizar filtros impregnados previamente com
compostos halogenados ou, alternativamente, utilizar cloro (ou iodo)
após a filtração. É importante verificar as
instruções do
fabricante quanto ao número de vezes em que é
possível a
utilização segura do filtro.
O
Cives
não recomenda a
utilização
sistemática de antibióticos profiláticos para a diarréia
dos
viajantes. Além do alto custo, os antibióticos
podem causar efeitos adversos importantes, como
fotosensibilidade (aumento da sensibilidade da pele ao sol),
reações alérgicas, alteração
da microbiota intestinal (colonização por
bactérias
resistentes, aumento do risco de febre
tifóide),
desenvolvimento de infecções fúngicas como
candidose vaginal e risco de colite
(inflamação
do intestino) causada por Clostridium difficile. O Cives
também não recomenda o uso, como rotina, do
subsalicilato de bismuto, uma vez que a posologia (quatro doses por
dia) é pouco conveniente e existe o risco de toxicidade
associada
ao salicilato. A utilidade do uso de probióticos (como o
Lactobacillus) para a evitar a diarréia dos
viajantes não está claramente definida.
Não existem vacinas disponíveis contra todos os agentes infecciosos que causam a diarréia dos viajantes. A E. coli enterotoxigênica (ETEC) pode produzir dois tipos de toxinas, isoladamente ou em associação. Uma das toxinas é sensível ao calor (toxina termolábil) e a outra é resistente (toxina termoestável). A vacina oral contra a cólera, que contém a subunidade B da toxina colérica recombinante, pode ter algum efeito protetor cruzado contra a diarréia dos viajantes, exclusivamente quando esta é causada pela Escherichia coli produtora da toxina sensível ao calor, uma vez que a subunidade B e a toxina termolábil são semelhantes. O efeito protetor cruzado pode variar de lugar para lugar, de acordo com a freqüência da E. coli produdora de toxina termolábil como causa da diarréia dos viajantes. Nestas circunstâncias, a eficácia da vacina oral contra a cólera, quando se considera todas as causas de diarréia dos viajantes, é limitada. Em razão disto, o Cives não recomenda a utilização desta vacina quando risco a ser considerado é exclusivamente a diarréia dos viajantes, exceto em situações de risco individual elevado de aquisição da doença (como diminuição da acidez gástrica) ou em pessoas nas quais as conseqüências podem ser muito graves (como insuficiência renal crônica, insuficiência cardíaca congestiva, diabetes insulino-dependente, doenças inflamatórias intestinais).
Manifestações
A diarréia do viajante se manifesta com aumento do número de evacuações (três ou mais episódios em 24 horas) associado ao amolecimento das fezes (líquidas ou pastosas). Em mais de 90% dos casos é de curta duração (dois a três dias) e, geralmente, é causada por bactérias. A diarréia pode estar acompanhada de dor abdominal tipo cólica, naúseas, vômitos e, em alguns casos, de febre. A ocorrência de vômitos pode levar ao aumento da perda de líquidos e diminuir a capacidade do indivíduo de ingerir soluções orais para reidratação, contribuindo consideravelmente para a desidratação. A presença de febre, de sangue ou pus nas fezes pode ser indício de diarréia invasiva e indica que o viajante deve ser avaliado por um médico o mais rápido possível. Em 5 a 10% dos casos, diarréia do viajante pode persistir por mais de 14 dias e, em 1 a 3% por mais de quatro semanas. Além disto, em 4 a 10% da pessoas, a diarréia dos viajantes pode desencadear a síndrome do cólon irritável, especialmente quando causada por bactérias invasivas que provocam colite inflamatória, como Campylobacter, Salmonella, Shigella e Escherichia coli O157. A síndrome do cólon irritável pós-infecciosa é caracterizada pela persistência, intermitente ou contínua, de alterações intestinais (diarréia ou - menos freqüentemente – constipação e cólica abdominal) após um episódio de diarréia infecciosa.
As intoxicações
alimentares (causadas por
toxinas pré-formadas), têm um período
de
incubação muito
curto, que pode variar de trinta
minutos a até oito
horas. As manifestações clínicas predominantes
são os vômitos,
mas
algumas pessoas podem evoluir com
diarréia e, mais raramente, com febre. A
aquisição da doença resulta do consumo de
alimentos que antes, durante
ou depois
de
preparados foram contaminados com bactérias (Staphylococcus
aureus, Bacillus cereus) que podem multiplicar-se e
produzir enterotoxinas
que causam vômitos
e diarréia.
A maioria dos casos de cólera apresenta-se como uma diarréia leve ou moderada, que é indistinguível clinicamente e tem o mesmo tratamento básico (hidratação oral) dos casos comuns de diarréia do viajante. No entanto, em todos os casos que evoluem com diarréia profusa, a possibilidade de cólera deve ser excluída, uma vez que em algumas pessoas (menos de 10%), a doença pode evoluir de forma mais grave, com início súbito de uma diarréia aquosa profusa, geralmente sem muco, pus ou sangue e, com freqüência, acompanhada de vômitos, que rapidamente leva à desidratação e pode ser fatal. A febre tifóide, é uma doença de evolução relativamente lenta. A febre, que inicialmente é baixa, torna-se progressivamente mais alta e ocorre alteração do trânsito intestinal, manifestada por diarréia ou constipação intestinal ("prisão de ventre"). A hipótese de malária deve ser sempre investigada todas as pessoas que tenham sido expostas ao risco de infecção - comumente viagem a uma área de transmissão - e apresente qualquer tipo de febre, associada ou não à diarréia.
Tratamento
O tratamento básico da diarréia do viajante e das intoxicações alimentares consiste em reidratação, que deve ser iniciada o mais precocemente possível. Em casos leves, a reidratação pode ser feita por via oral, preferentemente com uma solução reidratante contendo eletrólitos (sais) e glicose, em concentrações adequadas (sais de reidratação oral). A solução de reidratação oral deve ser preparada imediatamente antes do consumo e o conteúdo de um envelope deve ser dissolvido em um litro de água fervida, após o resfriamento. A solução não pode ser fervida depois de preparada, mas pode ser conservada em geladeira por até 24 horas. Pode ser ingerida de acordo com a aceitação, com freqüência e volume proporcionais à intensidade da diarréia. Deve ser alternada com outros líquidos (água, chá, sopa). A alimentação deve ser reiniciada após três a quatro horas de aceitação adequada da reidratação oral e, nos lactentes, o aleitamento materno deve ser mantido desde o início. Em crianças, devem ser evitados os medicamentos contra vômitos, uma vez que podem ocasionar intoxicação, com diminuição do nível de consciência e movimentos involuntários, dificultando a ingestão da solução oral de reidratação. Além disso, esta medicação é geralmente desnecessária, uma vez que os vômitos tendem a cessar com o início da reidratação.
A utilizaçãode qualquer medicamento deve ser feita exclusivamente com orientação médica. O uso de medicamentos como antibióticos ou antiparasitários, após avaliação médica, pode estar indicado (ou não) em casos de diarréia que evoluem com febre, presença de sangue ou pus e nas que se manifestam por um período de tempo prolongado. Os antibióticos não estão indicados nos casos de intoxicações alimentares, uma vez que não atuam contra as toxinas pré-formadas. A utilização de agentes que reduzem a motilidade intestinal (difenoxilato, loperamida) para tratamento sintomático da diarréia do viajante não é recomendada e está associada à possibilidade do desenvolvimento de megacolon tóxico (dilatação aguda, total ou parcial do intestino grosso, potencialmente fatal). Medicamentos que atuam reduzindo a secreção de líquido da mucosa intestinal (como o subsalicilato de bismuto) tem início de ação lento, posologia pouco conveniente (quatro doses por dia), risco de toxicidade associada ao salicilato e, adicionalmente, podem interferir na absorção de antibióticos (como a doxiciclina). Os casos mais graves devem ser hospitalizados para hidratação venosa até a melhora das condições clínicas da pessoa e, tão logo quanto possível, a reidratação oral deve ser feita simultaneamente. Nas diarréias mais acentuadas (nas quais a cólera devem ser excluída) ou mais prolongadas (duração maior que três dias), nas que evoluem com presença de sangue ou pus ou com febre (nas quais deve ser feito o diagnóstico diferencial com febre tifóide e malária) um Serviço de Saúde deve ser procurado o mais rápido possível.
Disponível em 25/10/2008, 01:07 h.
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