Universidade Federal do Rio de Janeiro
Cives
Centro de Informação em Saúde para Viajantes

Gripe

Terezinha Marta P.P. Castiñeiras, Luciana G. F. Pedro & Fernando S. V. Martins

A gripe (influenza) é uma doença infecciosa aguda causada pelo vírus influenza, transmissível de uma pessoa para outra por via respiratória. A gripe ocorre em todos os países do mundo e, há pelo menos 400 anos, o vírus influenza vem causando epidemias a cada 2-3 anos e, eventualmente, pandemias (epidemias que afetam um grande número de países). As pessoas  idosas e as portadoras de doenças crônicas que desenvolvem gripe têm maior risco de complicações como a pneumonia bacteriana, o que pode tornar necessário a internação hospitalar. A vacina contra a gripe reduz o risco de adoecimento causado pelo vírus influenza e, em razão disto, o de complicações bacterianas.

Transmissão

O virus influenza é facilmente transmitido de uma pessoa para outra através de gotículas eliminadas através da tosse ou do espirro. A penetração do vírus no organismo ocorre através da mucosa do nariz ou da garganta e a aglomeração de pessoas em ambientes fechados facilita a disseminação da gripe. A transmissão também pode ocorrer através da contaminação das mãos com secreções respiratórias, pelo do contato direto com outras pessoas (aperto de mãos) ou indireto (tocar em superfícies contaminadas). A infecção, contudo, não ocorre através da pele. A transmissão ocorre quando o indivíduo coloca as mãos contaminadas em contato com a mucosa oral, nasal ou ocular.

Riscos 

O risco de transmissão da gripe existe em todos os países do mundo. Condições como aglomeração de pessoas em ambientes fechados, principalmente durante o inverno, facilitam a disseminação do vírus influenza. Em razão disto, as viagens para grandes centros populacionais durante o inverno aumentam o risco de aquisição da doença. Em paises de clima temperado, o ambiente frio e seco durante o inverno favorece a sobrevivência e a disseminação do vírus, razão pela qual as epidemias ocorrem, geralmente, nesta estação. Durante uma epidemia sazonal, cerca de 5 a 15% da população é infectada, resultando em aproximadamente 3 a 5 milhões de casos graves por ano e 250 a 500 mil mortes no mundo, principalmente entre idosos e portadores de doenças crônicas.

O vírus influenza, pertence à família Orthomyxoviridae e é classificado de acordo com o material genético em três tipos diferentes (A, B e C). Os vírus influenza A são capazes de infectar diversas espécies de animais (pássaros, galinhas, patos, porcos, cavalos, baleias etc.). Os vírus influenza B e C, basicamente, infectam seres humanos. Os vírus influenza A e B são capazes de causar epidemias. O vírus influenza C não tem potencial epidêmico e, em geral, causa doença de menor gravidade.

O vírus influenza A é classificado em subtipos, que são determinados por glicoproteínas (hemaglutininas e neuraminidases) presentes na sua superfície. Pelo menos 16 hemaglutininas (H1 a H16) e 9 neuraminidases (N1 a N9) já foram descritas. A infecção de seres humanos a partir de vírus influenza A que habitualmente causam doença em aves ou em outros animais é pouco comum. Em seres humanos, geralmente, a infecção ocorre pelos subtipos contendo as hemaglutininas H1, H2 ou H3 e as neuraminidases N1 ou N2 (atualmente estão circulando o H1N1, H1N2 e o H3N2). Os vírus influenza B e C não são classificados em subtipos.

A infecção pelos vírus influenza resulta em uma produção de anticorpos capazes de eliminar o agente infeccioso, porém  um mesmo indivíduo pode ter vários episódios de gripe ao longo da vida. Isto ocorre porque os vírus influenza A e, em menor grau, o influenza B sofrem, constantemente, pequenas alterações em sua composição antigênica. Em razão disto, em uma nova infecção, os vírus influenza não são reconhecidos, pelo menos completamente, pelo sistema imune. Além disto, eventualmente, o vírus influenza A é passível de sofrer alterações drásticas em sua composição antigênica que resultem em um novo subtipo (como um novo H1N1, H3N2 etc.) que poderá ter um alto potencial patogênico e para a qual as populações humanas não teriam nenhuma imunidade prévia. Estas grandes alterações antigênicas podem ocorrer quando estão presentes condições favoráveis, que envolvem o contato entre seres humanos, aves domésticas (influenza aviária ou "gripe do frango") e porcos (influenza ou "gripe suina"), possibilitando infecções simultâneas (co-infecção) e a troca de material genético entre subtipos do vírus influenza A de origem humana e animal. A introdução de um novo subtipo em uma região onde os indivíduos sejam susceptíveis pode desencadear uma epidemia e, eventualmente, uma pandemia, desde que possa ser transmitido de uma pessoa para outra com facilidade. Medidas como o controle de passageiros em aeroportos para evitar a disseminação, entre países ou regiões, de um vírus que pode ser facilmente transmitido por via respiratória, resultam em gastos (inúteis) e incomodo para os viajantes. A restrição compulsória de viagens é inviável e inútil.

No século 20 ocorreram três pandemias, todas causadas pelo vírus influenza A. A primeira ocorreu em 1918-19 pelo subtipo H1N1 (gripe espanhola), a segunda em 1957-58 pelo H2N2 (gripe asiática) e a última em 1968-69 pelo H3N2 (gripe Hong-Kong). A gripe espanhola, causou a morte de um número estimado entre 20 e 100 milhões de pessoas. O número de óbitos estimado para a gripe asiática e para a gripe Hong-Kong é de cerca de 1 milhão de pessoas, em cada uma das pandemias. Em março de 2009, foi detectado um novo subtipo H1N1, contendo material genético do vírus influenza A de origem humana, suína e aviária. A doença foi inicialmente chamada de "gripe suina", denominação imprecisa (em razão da origem do material genético do novo subtipo) e que não deve ser utilizada. Os primeiros casos da gripe causada pelo novo influenza A(H1N1) ocorreram no México a partir de 18 de março e, em seguida, nos Estados Unidos (San Diego, Califórnia) em 28 e 30 de março de 2009. Desde então, o novo subtipo H1N1 disseminou-se, rapidamente como previsível, para dezenas de países (inclusive o Brasil). Em 11 de junho de 2009 a Organização Mundial da Saúde admitiu oficialmente a ocorrência de uma pandemia de gripe causada por um novo subtipo A(H1N1).

Medidas de proteção individual

A necessidade de vacinação contra a gripe deve ser sempre avaliada nas viagens para outros países, durante períodos de maior risco para as epidemias sazonais que ocorrem todos os anos. Adicionalmente, o viajante deve levar em consideração o modo de transmissão da gripe, o que significa evitar aglomerações, ambientes sem ventilação adequada e contato com pessoas doentes, e lavar as mãos com água e sabão com frequência. Deve ainda considerar, do ponto de vista individual, a possibilidade de adiar viagens não essenciais para países ou regiões onde esteja ocorrendo transmissão sustentada de um novo subtipo do vírus influenza A, principalemnte quando existirem limitações quanto a obtenção de medicamentos necessários ao tratamento efetivo da doença.

Não existem evidências de que o uso generalizado de máscaras de proteção pela população seja capaz de evitar a disseminação dos vírus influenza. A utilização incorreta de máscaras pode, inclusive, aumentar o risco de infecção. No entanto, em algumas situações, a utilização adequada de máscaras comprovadamente reduz o risco de transmissão. As máscaras de proteção (descartáveis) devem ser utilizadas pelos doentes (quando em contato com outros indivíduos) e pelas pessoas diretamente envolvidas no tratamento (profissionais da área da sáude, familiares com necessidade de contato direto). Deve ser levado em consideração, contudo, que apenas o uso de máscaras, sem a adoção de outras medidas de proteção (como lavar as mãos), é ineficaz. Em razão disto, as pessoas envolvidas no tratamento dos doentes devem ser instruídas em relação ao uso correto de máscaras e à importância da adoção das outras medidas de proteção.

A vacina mais comumente utilizada é a injetável, que é elaborada a partir de vírus influenza cultivados em ovos de galinha. A vacina tem componentes de vários subtipos do vírus influenza em circulação na população humana, inativados e fracionados. Além disto, pode existir em sua composição pequenas quantidades de timerosal (Mertiolate®) e de neomicina (um antibiótico). A vacina, por ser produzida com vírus inativados, pode ser administrada com segurança em pessoas com deficiência do sistema imunológico e, se administrada em gestantes, não representa risco para o concepto.

A vacina contra a gripe pode ser bastante útil para os idosos e para as pessoas de qualquer idade com doenças de base (pulmonares, cardíacas, hematológicas e imunodeficiências etc.). A vacina, contudo, não protege contra o vírus influenza C. Além disto, não atua contra outros vírus respiratórios (adenovírus, rinovirus, vírus parainfluenza) que, principalmente durante o inverno, podem causar doença semelhante à gripe, embora de menor gravidade. Também não protege contra o resfriado comum (rinovírus, coronavírus). Nos casos em que estiver indicada, a vacina contra gripe deve ser utilizada anualmente para incluir as últimas alterações antigênicas ocorridas com o vírus influenza. Naturalmente a vacina em uso corrente possivelmente não irá conferir proteção contra um novo subtipo do vírus influenza A recém introduzido na população humana, mas atua contra os outros vírus influenza que também estão circulando. O desenvolvimento de uma nova vacina geralmente demora cerca de seis meses, em condições ótimas.

Manifestações

As manifestações clínicas da gripe aparecem entre 1 e 7 dias após a infecção (período de incubação médio de 2 dias). As manifestações da gripe têm início súbito com febre, dor no corpo, dor de cabeça e tosse seca e, evolutivamente, dor ocular e coriza. A doença, em geral, tem duração de 2 a 3 dias. No entanto, em alguns casos, pode ocorrer evolução mais grave e a pessoa apresentar pneumonia viral (causada pelo próprio vírus influenza) e, eventualmente, insuficiência respiratória.

O resfriado comum, que não deve ser confundido com a gripe, em geral produz coriza intensa e não é acompanhado de febre ou causa febre baixa. A ocorrência de pneumonia bacteriana, uma complicação comum da gripe, é mais freqüente em crianças até um ano, idosos e indivíduos com doenças pré-existentes (pulmonares, cardíacas, renais, hematológicas e deficiências imunológicas), pode tornar necessária a internação hospitalar. 

Tratamento

O tratamento da gripe é feito com de antivirais, que como outros medicamentos não devem ser ser utilizados sem prescrição médica. Existem quatro drogas liberadas para o tratamento da gripe (amantadina, rimantadina, zanamivir e oseltamivir). Apenas o zanamivir e o oseltamivir têm ação contra os dois tipos de vírus que habitualmente causam a doença em seres humanos (influenza A e B), inclusive novo subtipo A(H1N1). A eficácia destas medicações, que têm alto custo, depende do início precoce do tratamento (até o segundo dia das manifestações). Como os vírus influenza, notadamente nos extremos de idade, podem causar quadros graves e óbitos, a indicação do tratamento com antivirais deve obedecer a parâmetros clínicos, independentemente da doença estar sendo causada por um novo subtipo ou não. A profilaxia com medicamentos está indicada para contactantes próximos de pessoas com gripe, desde que pertençam a grupos com risco elevado para desenvolvimento de complicações (idade menor que cinco ou maior que 65 anos, gestação, doenças pulmonares ou cardíacas - exceto hipertensão - crônicas, imunodeficiências, diabetes etc.). Os testes para a confirmação do diagnóstico de gripe (ou seja, se a doença é causada pelo vírus influenza A ou B) podem tornar mais precisa a utilização de antivirais, desde que os resultados estejam disponíveis em tempo útil para o início da terapêutica. Nada justifica que os pacientes e os médicos que os assistem saibam dos resultados de exames confirmatórios apenas através da imprensa. Quando os testes não estão disponíveis, o tratamento está indicado para pessoas com diagnóstico clínico de gripe e, dependendo da disponibilidade de antivirais, prioritariamente para as que pertençam a grupos com risco elevado de evolução grave. Os medicamentos, inclusive os utilizados contra a gripe, não devem ser "guardados" para "evitar resistência". Devem, antes, ser utilizados de modo racional, visto que as pessoas podem morrer por falta de tratamento. Limitar a indicação de medicamentos apenas para as pessoas que apresentem manifestações de gravidade somente é explicável quando o estoque disponível de antivirais é insuficiente, uma vez que não se pode prever com absoluta segurança evolução da gripe.

Os antitérmicos e analgésicos podem ser utilizados para controlar as manifestações, principalmente a febre e a dor, porém são destituídos de ação contra o vírus da gripe. A utilização de medicamentos que contenham em sua formulação o ácido acetil-salicílico (AAS®, Aspirina®, Doril®, Melhoral® etc.) não é permitida em crianças com gripe, pela possibilidade de Síndrome de Reye. Esta síndrome, rara e de alta letalidade, está associada ao uso do ácido acetil-salicílico durante infecções virais em crianças e é caracterizada por comprometimento hepático e neurológico.

As complicações bacterianas, quando ocorrem, devem ser tratadas com antibióticos apropriados. O Staphylococcus aureus, uma das principais causas de infecção secundária na gripe, deve ser sempre incluido entre as causas prováveis da pneumonia bacteriana, até que se demonstre (Gram de escarro, hemoculturas) com segurança o agente etiológico.

Disponível em 18/09/2004, 20:45 h. Atualizado em 21/07/2009, 23:40 h.
Página Principal Doenças Infecciosas Informação para o Viajante
©Cives Os textos disponíveis no Cives são, exclusivamente, para uso individual. O conteúdo das páginas não pode ser copiado, reproduzido, redistribuído ou reescrito, no todo ou em parte, por qualquer meio, sem  autorização prévia.
Créditos: Cives - Centro de Informação em Saúde para Viajantes