Cives
Centro de Informação em Saúde para Viajantes |
Fernando S. V. Martins & Terezinha Marta P.P. Castiñeiras
A leptospirose é uma doença infecciosa febril, aguda, potencialmente grave, causada por uma bactéria, a Leptospira interrogans. É uma zoonose (doença de animais) que ocorre no mundo inteiro, exceto nas regiões polares. Em seres humanos, ocorre em pessoas de todas as idades e em ambos os sexos. Na maioria (90%) dos casos de leptospirose a evolução é benigna.
Transmissão
A leptospirose é primariamente uma zoonose. Acomete roedores e outros mamíferos silvestres e é um problema veterinário relevante, atingindo animais domésticos (cães, gatos) e outros de importância econômica (bois, cavalos, porcos, cabras, ovelhas). Esses animais, mesmo quando vacinados, podem tornar-se portadores assintomáticos e eliminar a L. interrogans junto com a urina.
O rato de esgoto (Rattus novergicus)
é
o
principal
responsável
pela infecção humana, em razão de existir em
grande número e da proximidade com seres humanos. A L.
interrogans
multiplica-se nos rins desses animais sem causar danos, e é
eliminada
pela urina, às vezes por toda a vida do animal. A L.
interrogans eliminada
junto com a urina de animais sobrevive
no solo úmido ou na água, que tenham pH neutro ou
alcalino.
Não sobrevive em águas com alto teor salino.
A L. interrogans penetra através da pele e de mucosas (olhos, nariz, boca) ou através da ingestão de água e alimentos contaminados. A presença de pequenos ferimentos na pele facilita a penetração, que pode ocorrer também através da pele íntegra, quando a exposição é prolongada. Os seres humanos são infectados casual e transitoriamente, e não tem importância como transmissor da doença. A transmissão de uma pessoa para outra é muito pouco provável.
Riscos
No Brasil, como em outros países
em desenvolvimento, a maioria
das infecções ocorre através do contato com
águas
de enchentes
contaminadas por urina de ratos. Nesses países, a
ineficácia
ou inexistência de rede de esgoto e drenagem de águas
pluviais,
a coleta de lixo inadequada e as conseqüentes inundações
são condições favoráveis à alta
endemicidade
e às epidemias. Atinge, portanto, principalmente a
população
de baixo nível sócio-econômico da periferia das
grandes
cidades, que é obrigada a viver em condições que
tornam
inevitável o contato com roedores e águas
contaminadas. A
infecção também pode ser adquirida através
da ingestão
de
água
e
alimentos contaminados com urina de
ratos ou por meio de contato com urina de animais de
estimação
(cães, gatos), mesmo quando esses são vacinados.
A
limpeza de fossas domiciliares, sem proteção adequada,
é
uma das causas mais freqüentes de aquisição da
doença.
Existe risco ocupacional para as pessoas que têm contato
com
água e terrenos alagados (limpadores de fossas e bueiros,
lavradores
de plantações de arroz, trabalhadores de rede de esgoto,
militares) ou com animais (veterinários, pessoas que manipulam
carne). Em países mais desenvolvidos,
com infra-estrutura de saneamento
mais adequada, a população está menos exposta
à infecção.
É mais comum que a infecção ocorra a partir de
animais
de estimação e em pessoas que se expõem à
água
contaminada, em razão de atividades recreativas ou
profissionais.
No Brasil, entre 1996 e 2005, foram notificados 33.174 casos de leptospirose. Apenas os casos mais graves (ictéricos) são, geralmente, diagnosticados e, eventualmente, notificados. A leptospirose sem icterícia é, freqüentemente, confundida com outras doenças (dengue, "gripe"), ou não leva à procura de assistência médica. Os casos notificados, provavelmente, representam apenas uma pequena parcela (cerca de 10%) do número real de casos no Brasil.
Leptospirose no Brasil
Casos confirmados, por local
de transmissão: 1996 - 2005
Região |
1996 |
1997 |
1998 |
1999 |
2000 |
2001 |
2002 |
2003 |
2004 |
2005* |
Total |
Norte |
689 |
484 |
584 |
340 |
391 |
142 |
230 |
248 |
202 |
181 |
3.491 |
Nordeste |
1.002 |
847 |
514 |
194 |
1.006 |
643 |
598 |
501 |
801 |
600 |
6.706 |
Sudeste |
3.350 |
944 |
1.242 |
1.102 |
948 |
1.188 |
901 |
986 |
1.305 |
1.029 |
12.995 |
Sul |
502 |
863 |
1.084 |
782 |
1.094 |
1.617 |
851 |
1.158 |
656 |
838 |
9.445 |
Centro-Oeste |
36 |
160 |
25 |
15 |
48 |
44 |
38 |
54 |
68 |
49 |
537 |
Total |
5.579 |
3.298 |
3.449 |
2.433 |
3.487 |
3.634 |
2.618 |
2.947 |
3.032 |
2.697 |
33.174 |
Medidas de proteção individual
O Cives recomenda que o
viajante que adote as medidas de proteção
contra doenças adquiridas através do contato
com
a
água
e da ingestão
de
água
e
alimentos. O risco de adquirir leptospirose pode
ser
reduzido evitando-se o contato
ou ingestão
de
água
que possa estar contaminada com urina de animais. Deve ser utilizada
apenas
água tratada (clorada) como bebida e para a higiene pessoal.
Bebidas
como água mineral, refrigerantes e cervejas não devem ser
ingeridas diretamente de latas ou garrafas, sem que essas sejam lavadas
adequadamente (risco de contaminação com urina de rato).
Deve ser utilizado um copo limpo ou canudo plástico protegido.
Em caso de
inundações,
deve
ser
evitada
a exposição desnecessária
à
água ou à lama. Pessoas que irão se expor ao
contato
com
água e terrenos alagados devem utilizar roupas e
calçados
impermeáveis.
O uso generalizado de antibióticos profiláticos é ineficaz para evitar ou controlar epidemias de leptospirose. Além de ser tecnicamente inadequado, desvia inutilmente recursos humanos e financeiros. A quimioprofilaxia está indicada apenas para indivíduos, como trabalhadores e militares em manobras, que irão se expor a risco em áreas de alta endemicidade por período relativamente curto (semanas).
A vacina não confere imunidade permanente e não está disponível para seres humanos no Brasil. Em alguns países é utilizada a vacinação contra sorotipos específicos em pessoas sob exposição ocupacional em áreas de alto risco . Em animais, a vacina (disponível no Brasil) evita a doença, mas não impede a infecção nem a transmissão da leptospirose para seres humanos.
Recomendações para áreas com risco de transmissão
O acesso permanente à informação é essencial. É importante que a população seja esclarecida sobre as razões que determinam a ocorrência de leptospirose e o que deve ser feito para evitá-la. Deve ainda ter acesso fácil aos serviços de diagnóstico e tratamento. O risco de transmissão pode ser reduzido nos centros urbanos através da melhoria das condições de infra-estrutura básica (rede de esgoto, drenagem de águas pluviais, remoção adequada do lixo e eliminação dos roedores). A limpeza e dragagem de córregos e rios são medidas fundamentais para reduzir a ocorrência de inundações. Equipamentos de proteção, como botas e luvas impermeáveis, devem ser oferecidos às pessoas com risco ocupacional.
Quando ocorrem inundações, deve ser evitado contato desnecessário com a água e com a lama. Se a residência for inundada, deve-se desligar a rede de eletricidade para evitar acidentes. O mesmo cuidado deve ser observado após inundações, antes do início da limpeza domiciliar, que deve ser feita com o uso de calçados e luvas impermeáveis. Em geral, não é necessário o tratamento adicional da água distribuída através de rede, mesmo durante epidemias. Quando há suspeita de contaminação da rede de água, a companhia responsável pela distribuição deve ser notificada. Nessas circunstâncias, a água deve ser tratada com cloro ou fervida. Como a eficácia do cloro pode ser reduzida pela presença de matéria orgânica, quando a água estiver turva a alternativa mais mais segura antes do consumo é a fervura, durante até um minuto. O mesmos cuidados devem ser adotados quando a água é proveniente de poços.
O Cives recomenda que sejam observados os seguintes cuidados:
A maioria das pessoas infectadas pela Leptospira interrogans desenvolve manifestações discretas ou não apresenta sintomas da doença. As manifestações da leptospirose, quando ocorrem, em geral aparecem entre 2 e 30 dias após a infecção (período de incubação médio de dez dias).
As manifestações iniciais são febre alta de início súbito, sensação de mal estar, dor de cabeça constante e acentuada, dor muscular intensa, cansaço e calafrios. Dor abdominal, náuseas, vômitos e diarréia são freqüentes, podendo levar à desidratação. É comum que os olhos fiquem acentuadamente avermelhados (hiperemia conjuntival) e alguns doentes podem apresentar tosse e faringite. Após dois ou três dias de aparente melhora, os sintomas podem ressurgir, ainda que menos intensamente. Nesta fase é comum o aparecimento manchas avermelhadas no corpo (exantema) e pode ocorrer meningite, que em geral tem boa evolução. A maioria das pessoas melhora em quatro a sete dias.
Em cerca de 10% dos pacientes, a partir do terceiro dia de doença surge icterícia (olhos amarelados), que caracteriza os casos mais graves. Esses casos são mais comuns (90%) em adultos jovens do sexo masculino, e raros em crianças. Aparecem manifestações hemorrágicas (equimoses, sangramentos em nariz, gengivas e pulmões) e pode ocorrer funcionamento inadequado dos rins, o que causa diminuição do volume urinário e, às vezes, anúria total. O doente pode ficar torporoso e em coma. A forma grave da leptospirose é denominada doença de Weil. A evolução para a morte pode ocorrer em cerca de 10% das formas graves.
As manifestações iniciais da leptospirose são semelhantes às de outras doenças, como febre amarela, dengue, malária, hantavirose e hepatites. A presunção do diagnóstico leptospirose é feita com base na história de exposição ao risco (inundações, limpeza de bueiros e fossas, contato com animais de estimação) e na exclusão, através de exames laboratoriais, da possibilidade de outras doenças. Mesmo que tenham história de risco para leptospirose, pessoas que estiveram em uma área de transmissão de febre amarela e malária, e que apresentem febre, durante ou após a viagem, devem ter essas doenças investigadas. A leptospirose grave, que evolui com icterícia, diminuição do volume urinário e sangramentos é semelhante à forma grave da febre amarela. A diferenciação pode ser feita com facilidade através de exames laboratoriais. A ícterícia é rara nos casos de dengue. Nas hepatites, em geral, quando surge a icterícia a febre desaparece. É importante que a pessoa, quando apresentar-se febril após uma exposição de risco para leptospirose, procure um Serviço de Saúde rapidamente. Não se justifica a utilização generalizada de antibióticos para a população em períodos de epidemias. É mais racional diagnosticar e tratar precocemente os casos suspeitos.
A confirmação do diagnóstico de leptospirose não tem importância para o tratamento da pessoa doente, mas é fundamental para a adoção de medidas que reduzam o risco de ocorrência de uma epidemia em área urbana. Pode ser feita através de exames sorológicos (microaglutinação pareada, com uma amostra de sangue colhida logo no início da doença e outra duas semanas após), ou do isolamento da bactéria em cultura (que tem maior chance de ser feito durante a primeira semana de doença).
Tratamento
Página Principal | Doenças Infecciosas | Informação para o Viajante |
©Cives |
Os textos
disponíveis
no Cives são, exclusivamente, para uso individual. O
conteúdo
das páginas não pode ser copiado, reproduzido,
redistribuído
ou reescrito, no todo ou em parte, por qualquer meio, sem
autorização
prévia. Créditos: Cives - Centro de Informação em Saúde para Viajantes |