Universidade Federal do Rio de Janeiro
Cives
Centro de Informação em Saúde para Viajantes

Sarampo

Terezinha Marta PP Castiñeiras, Luciana GF Pedro & Fernando SV Martins

O sarampo é uma doença infecciosa imunoprevenível, altamente transmissível, causada pelo vírus do sarampo. A doença, que tem transmissão respiratória, geralmente ocorre na infância, mas pode também afetar adultos susceptíveis (não imunes), que nunca tiveram a doença ou não foram não adequadamente vacinados. O sarampo ainda é uma das causas mais frequentes de óbito em crianças no mundo, particularmente em países onde a cobertura vacinal é insatisfatória.

Transmissão

O ser humano é o único hospedeiro natural do vírus do sarampo e a doença ocorre apenas uma vez na vida. O período de transmissão do sarampo começa quatro dias antes do aparecimento do exantema cutâneo (manchas avermelhadas na pele) e se estende até quatro dias depois. A transmissão para uma pessoa susceptível (não imune) ocorre através do contato com as secreções respiratórias (gotículas de saliva, espirro, tosse) de um indivíduo infectado. O risco de transmissão do sarampo é maior entre  início e o quarto dia do período de exantema cutâneo.

Após a transmissão, o vírus do sarampo se replica na mucosa da nasofaringe e nos gânglios linfáticos regionais. Dois a três dias após ocorre disseminação através da corrente sanguínea (viremia primária) para o sistema retículo-endotelial, onde o vírus se replica. Entre cinco e sete dias após a infecção, ocorre disseminação (viremia secundária) para o trato respiratório e outros órgãos.

Riscos 

A Organização Mundial da Saúde estima que ocorram cerca de 30 milhões de casos de sarampo a cada ano e, em 2004, 454 mil óbitos, a despeito da vacina estar disponível desde 1963. Em países da África subsaariana e do subcontinente indiano, nos quais ocorre a maioria dos casos, o sarampo ainda é a principal causa de morte por doença imunoprevenível. Nestas regiões, o sarampo atinge frequentemente crianças com menos de 9 meses, particularmente vulneráveis às formas mais graves de doença. Adicionalmente, o risco de aquisição do sarampo também pode existir em países mais desenvolvidos. Em 2006, diversos de surtos de sarampo foram registrados em países como Bielo-Rússia, Dinamarca, Alemanha, Grécia, Inglaterra, Itália, Polônia, Espanha, Suécia, Ucrânia e Venezuela. O elevado número de pessoas que deslocam (trabalho ou turismo) de e para áreas de risco de transmissão, faz com que exista risco permanente de reintrodução, em áreas onde a transmissão autóctone de sarampo (e outras infecções) foi interrompida e a cobertura vacinal não é adequada. No entanto, o controle efetivo da transmissão e a erradicação (eliminação mundial) do sarampo parecem possíveis, uma vez que os seres humanos são os únicos reservatórios do vírus e a vacina (isolada ou em associação) é altamente eficaz. 

No Brasil, ocorriam epidemias de sarampo a cada 2 ou 4 anos nos grandes aglomerados urbanos, e foram registrados 775.973 casos entre 1980 e 1995. A partir de 1992, com a implementação do Plano de Nacional de Eliminação do Sarampo, ocorreu uma importante redução do número de casos no país. Em 1997, entretanto, houve a uma epidemia com mais de 50 mil casos, a maioria nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Desde então, a intensificação das ações de controle (vacinações de bloqueio, implantação da segunda dose da vacina, expansão da população alvo) ocasionou a queda  do número de casos e, desde 2001, a interrupção da transmissão autóctone do sarampo [Tabela]. O último caso de transmissão autóctone, não relacionada a casos importados, foi registrado em Mato Grosso do Sul, em novembro de 2000.  Entre 2001 e 2005, foram registrados nove casos de sarampo, todos relacionados a viajantes que adquiriram a infecção em outros países (Japão, Alemanha e Ilhas Maldivas).


Sarampo no Brasil.
Casos confirmados, por local de transmissão: 1996 - 2005

Região

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005*

Total

Norte

95

231

245

91

17

0

0

0

0

0

679

Nordeste

170

4.547

607

369

0

0

0

0

0

0

5.693

Sudeste

318

45.503

618

359

15

1

1

0

0

2

46.817

Sul

169

1.770

1.046

39

3

0

0

2

0

4

3.033

Centro-Oeste

39

1.613

265

50

1

0

0

0

0

0

1.968

Total

791

53.664

2.781

908

36

#1

#1

#2

0

#6

58.190

# Casos importados: Japão (em 2001 e 2002), Alemanha  (+1 secundário, em 2003) e Ilhas Maldivas (+5 secundários, em 2005).
* dados sujeitos à revisão.
Fonte: Ministério da Saúde - Secretaria de Vigilância em Saúde, 2006.

Medidas de proteção

A vacina contra o sarampo confere imunidade contra a infecção em mais de 95% das pessoas. A vacina é produzida com vírus atenuados e pode ser utilizada de forma isolada ou em associação com a da rubéola ("dupla viral" ou SR) ou, adicionalmente, com a da caxumba ("tríplice viral", SRC ou MMR). A realização de testes sorológicos antes da aplicação da vacina contra o sarampo é, geralmente, desnecessária.

A vacina contra o sarampo, como qualquer outra, pode ter contra-indicações e produzir efeitos colaterais, em geral pouco frequentes e desprovidos de gravidade. Como todas as vacinas produzidas com vírus atenuados está contra-indicada durante a gestação. Como regra geral, pelo mesmo motivo, também não deve ser utilizada em imunodeficientes, exceto em situações especiais e com avaliação médica.

No Calendário de Vacinação atual está prevista a aplicação da MMR para crianças em duas doses, a primeira aos doze meses e a segunda entre 4 e 6 anos. A vacina também está disponível nos Centros Municipais de Saúde, em dose única, para adolescentes e adultos (mulheres até 49 anos e homens até 39 anos). Embora o risco de teratogênese (mal-formações congênitas) com o vírus vacinal pareça ser pequeno, a gravidez deve ser evitada durante, pelo menos, os 30 dias seguintes à aplicação da vacina. Para reduzir as chances de infecção de pessoas que tenham contra-indicações (como gestantes e imunodeficientes), os contactantes podem e devem ser vacinados contra a rubéola (inclusive com a MMR), uma vez que o vírus vacinal não é transmissível.

No Brasil, o sarampo passou fazer parte da lista de doenças de notificação compulsória em 1968. Todos os casos com suspeita diagnóstica de sarampo devem ser notificados ao Centro Municipal de Saúde mais próximo, para que possam ser adotadas, rapidamente, medidas que diminuam o risco de disseminação da infecção para a população. A MMR pode ser utilizada para bloqueio de surtos ou epidemias de sarampo (ou de rubéola, ou de caxumba), com o objetivo de proteger os indivíduos não imunes, ou seja, os que nunca tiveram sarampo e os que ainda não tenham sido vacinados de forma adequada. A vacinação precoce (feita até 72 horas depois do contato), pode impedir o desenvolvimento do sarampo, porém não é capaz de evitar a rubéola e nem a caxumba.

A evidência de imunidade contra sarampo é dada pela comprovação sorológica da infecção ou pela imunização (Sarampo, SR ou MMR) documentada com o Cartão de Vacinação. Nas condições epidemiológicas atuais, onde os casos são raros, a história de "sarampo" com diagnóstico exclusivamente clínico, sem comprovação sorológica, não permite presumir com grau de certeza razoável a existência de imunidade contra a doença. O Cives recomenda que o viajante não vacinado, que não tenha comprovação sorológica de imunidade, observando-se as contra-indicações, receba a vacina ou, eventualmente, realize exames laboratoriais para verificar a imunidade contra sarampo.

Manifestações

O período entre a infecção e o início dos sintomas (incubação) é de cerca de 10 dias (8 a 14). As manifestações iniciais do sarampo (período prodrômico) são febre alta (39-40 °C), tosse "seca" persistente, coriza, conjuntivite e aumento dos gânglios linfáticos (linfonodos) do pescoço. No final do período prodrômico, que dura entre um e sete dias (comumente dois a quatro), surgem pequenos pontos branco-azulados (manchas de Koplik) na mucosa oral próxima aos molares, que são característicos do sarampo. Um a dois dias depois de surgirem as manchas de Koplik, aparecem manchas avermelhadas na pele (exantema máculo-papular eritematoso), inicialmente na linha de implantação dos cabelos e que progridem da face em direção aos pés (progressão céfalo-caudal). As manchas de Koplik desaparecem um a dois dias depois do início do exantema cutâneo, que geralmente tem cinco a seis dias de duração.

Em cerca de 30% das pessoas com sarampo podem ocorrer complicações, que são mais frequentes em crianças com menos de cinco e adultos com mais de vinte anos. As mais comuns são diarréia, otite e pneumonia, causadas pelo próprio vírus do sarampo ou secundariamente, por bactérias. A encefalite (acometimento do sistema nervoso central) pode ocorrer na proporção de um para cada mil casos. O sarampo geralmente é mais grave em desnutridos, gestantes, recém-nascidos e pessoas portadoras de imunodeficiências. Em gestantes, pode causar abortos espontâneos e partos prematuros, porém não existe comprovação da associação entre infecção pelo sarampo e casos de malformações congênitas. O sarampo também pode agravar a tuberculose, em pessoas que ainda não receberam tratamento para esta doença. A infecção pelo vírus do sarampo produz imunidade permanente, ou seja, ocorre apenas uma vez na vida.

Tratamento

Não existe tratamento específico para o sarampo. Os antitérmicos e analgésicos podem ser utilizados para controlar a febre. Os medicamentos que contenham em sua formulação o ácido acetil-salicílico (AAS®, Aspirina®, Doril®, Melhoral® etc) não devem ser usados, pelo risco de ocorrerem sangramentos (o sarampo diminui o número de plaquetas) e, em crianças, também pela possibilidade de Síndrome de Reye. As complicações bacterianas (otite, pneumonia) devem ser tratadas com antibióticos adequados, que devem visar os agentes mais comumente envolvidos e ter ação contra o Staphylococcus aureus que é uma importante causa de infecção secundária no sarampo.

Disponível em 02/12/2006, 09:21 h. 

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