Universidade Federal do Rio de Janeiro
Cives
Centro de Informação em Saúde para Viajantes

Tuberculose

Terezinha Marta P.P. Castiñeiras, Luciana G. F. Pedro & Fernando S. V. Martins

A tuberculose é uma doença infecciosa causada por uma micobactéria - o Mycobacterium tuberculosis ("bacilo de Koch"). A infecção é transmitida de uma pessoa para outra por via respiratória, porém a resposta imunológica é capaz de impedir o desenvolvimento da tuberculose na maioria dos indivíduos. A tuberculose, uma doença de evolução geralmente lenta (crônica), é responsável por cerca de 2,9 milhões de óbitos no mundo a cada ano. 

Transmissão

Os seres humanos são o único reservatório do M. tuberculosis e existem evidências da doença desde o período neolítico. A infecção é transmitida de uma pessoa para outra através da inalação de pequenas gotículas de secreção respiratória eliminadas (tosse, espirro, fala) apenas pelo indivíduo com tuberculose pulmonar ou laríngea (forma menos comum) em atividade (bacilífero). Somente as gotículas com diâmetro entre 1 e 5 µm, que permanecem em suspensão no ar (aerossóis), são infectantes. O risco de transmissão é maior durante contatos prolongados em ambientes fechados e com pouca ventilação. Não sem razão a tuberculose tornou-se um problema de saúde pública a partir da Revolução Industrial (segunda metade do século XVIII), quando as condições sub-humanas de moradia e de trabalho da época passaram a facilitar a sua transmissão.

Uma pessoa com tuberculose (qualquer forma) foi, necessariamente, infectada por outra em alguma época da vida e, quando desenvolve a forma pulmonar ou laríngea da doença, pode também passar a ser fonte de infecção para terceiros. Como a tuberculose, em geral, tem evolução lenta, o doente pode demorar a procurar um Serviço de Saúde e ter o diagnóstico confirmado. Em razão disto, quando uma pessoa desenvolve tuberculose pulmonar ou laríngea, os contactantes próximos (familiares, colegas de trabalho) devem ser submetidos à avaliação médica por terem tido, antes do diagnóstico do caso inicial, exposição prolongada ao risco de infecção ou, eventualmente, de terem sido a própria fonte da infecção. Nas outras formas de tuberculose (como a meningite), nas quais não ocorre transmissão do doente para outras pessoas, os contactantes devem ser avaliados em busca das possíveis fontes da infecção (pessoas com tuberculose pulmonar ou laríngea que possam ter dado origem ao caso).

Riscos

Cerca de um terço da população mundial (1,7 bilhão de indivíduos) estão infectados com o M. tuberculosis e 5 a 10% destas pessoas vão desenvolver tuberculose em algum momento da vida. A tuberculose tem distribuição global, com maior concentração da doença no Sudeste Asiático e África sub-Saariana. A tuberculose, uma das principais causas de morte por doenças infecciosas no mundo, é responsável por 2,9 milhões de óbitos a cada ano e a situação está se agravado  desde o surgimento da Aids (Sida). Além disto, está ocorrendo resistência crescente do M. tuberculosis aos medicamentos (tuberculostáticos) em vários países do mundo (inclusive no Brasil), o que torna mais difícil o tratamento e o controle da doença. No Brasil, estima-se que 40 milhões de pessoas estejam infectadas com o M. tuberculosis e, entre 1996 e 2005, forma notificados 787.223 casos de tuberculose (todas as formas). A doença ocorre em todas as regiões do país, com predomínio de casos nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Tuberculose no Brasil.
Casos confirmados, por local de transmissão: 1997 - 2005

Região

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005*

Total

Norte

6.939

6.756

6.405

6.331

6.647

7.732

7.680

7.361

7.319

6.176

69.346

Nordeste

25.151

24.015

24.423

25.715

23.529

24.669

23.910

24.871

23.315

19.870

239.468

Sudeste

41.154

39.769

38.992

38.650

33.361

33.656

37.101

36.537

36.054

13.211

348.485

Sul

8.835

8.616

9.265

9.711

8.327

8.745

9.997

9.777

9.106

7.515

89.894

Centro-Oeste

3.781

4.153

3.846

3.930

3.496

3.531

3.198

3.207

3.585

2.936

35.663

Ignorado

0

0

0

0

565

651

841

1.068

1.136

106

4.367

Total

85.860

83.309

82.931

84.337

75.925

78.984

82.727

82.821

80.515

49.814

787.223

* dados sujeitos à revisão.
Fonte: Ministério da Saúde - Secretaria de Vigilância em Saúde, 2006.

Medidas de proteção

A vacina contra a tuberculose (BCG) não impede a infecção, nem o desenvolvimento da tuberculose pulmonar, mas pode conferir certo grau de proteção para a meningite tuberculosa e para as formas disseminadas da doença. No Brasil, a BCG está no Calendário de Vacinação e sua aplicação deve ser feita no primeiro mês de vida. O Cives não recomenda a utilização desta vacina em adultos.

Na maioria das vezes, uma pessoa com tuberculose pode ser tratada ambulatorialmente. O afastamento do trabalho não deve ser compulsório. Deve, antes, levar em consideração as condições clínicas da pessoa, o tipo de ambiente de trabalho e o risco de transmissão para outros indivíduos, uma vez que as oportunidades de infecção para outras pessoas, comumente, são maiores antes do diagnóstico e início do tratamento. Em geral, 14 dias após o início do tratamento para a tuberculose pulmonar ou laríngea, os indivíduos deixam de ser fonte de transmissão da doença, o que deve ser comprovado com pelo menos três exames de escarro (Ziehl-Neelsen) negativos feitos em dias diferentes. O período de transmissibilidade pode ser mais prolongado em imunodeficientes e em indivíduos que fazem o uso irregular da medicação. As pessoas com tuberculose pulmonar devem evitar viajar por qualquer meio de transporte coletivo, até que seja confirmado por exames laboratoriais que deixaram de eliminar o M. tuberculosis, ou seja, de serem fonte de infecção para outras pessoas. Esta restrição aplica-se inclusive às viagens de avião, nas quais em virtude do sistema de ventilação das aeronaves, o risco maior de transmissão está limitado às pessoas sentadas muito próximas (na mesma fileira e nas duas anteriores e duas posteriores) à pessoa com tuberculose.

Em alguns casos, as pessoas com tuberculose podem necessitar de internação hospitalar, seja pela gravidade da doença ou por intercorrências médicas (trabalho de parto, cirurgia, acidentes). É necessário que o serviço médico tenha recursos técnicos adequados para isolamento de pessoas com tuberculose pulmonar ou laríngea em fase infectante, no intuito de impedir a disseminação intra-hospitalar da doença. Além de isolamento adequado para pessoas com tuberculose, o que inclui quartos preferencialmente com pressão negativa, é necessário que estejam disponíveis equipamentos de proteção individual tecnicamente indicados para doenças de transmissão respiratória.

Manifestações

A infecção pelo Mycobacterium tuberculosis pode ou não resultar em doença. Logo após inalação de aerossóis contendo microorganismos viáveis, estes são fagocitados por células de defesa (macrófagos) nos pulmões, no interior das quais alguns são destruídos e outros resistem, multiplicam-se ativamente, disseminando-se para os gânglios linfáticos próximos (como os do hilo pulmonar).

Nos dias que se seguem, tanto no foco pulmonar inicial, como nos gânglios regionais (conjunto denominado complexo primário da tuberculose) à medida que o número de bacilos aumenta, acaba por atrair novas células de defesa e desencadear resposta imunológica celular específica, que será crítica para impedir o avanço do processo infeccioso. Contudo, alguns bacilos escapam e disseminam-se através dos vasos linfáticos e sanguíneos podendo atingir, virtualmente, qualquer tecido ou órgão. Nesta fase da infecção, conhecida como tuberculose primária, os indivíduos acometidos geralmente não apresentam qualquer alteração clínica, embora o complexo primário (pequena lesão parenquimatosa pulmonar associada a aumento de linfonodo no hilo pulmonar ou mediastino) possa ser surpreendido através de uma radiografia de tórax. Menos comumente, os mecanismos de defesa iniciais podem não ser inteiramente eficazes e possibilitar o avanço do foco pulmonar primário, que aumenta progressivamente, sofre necrose central e pode disseminar-se pelo restante dos pulmões (broncopneumonia) e para a cavidade pleural que envolve os pulmões (tuberculose pulmonar primária progressiva). Estes indivíduos, que constituem a minoria dos infectados, apresentam manifestações precoces e exuberantes, incluindo febre alta, prostração intensa, sudorese noturna e tosse produtiva. Em pessoas que ainda não receberam tratamento, o sarampo pode tornar a tuberculose mais grave.

Na maioria dos infectados a resposta imune celular específica desencadeada é geralmente capaz de deter o agente infeccioso, no entanto, alguns microorganismos, persistem viáveis num estado de latência, multiplicando-se muito lentamente. A despeito da persistência destes focos latentes, a maioria dos infectados (mais de 90%) permanece assintomática pelo resto da vida. Em alguns indivíduos, entretanto, meses ou anos mais tarde, estes focos latentes podem ser reativados, ocorrendo novamente multiplicação rápida da bactéria, o que resulta em manifestações clínicas da doença (tuberculose pós-primária). O intervalo de tempo (período de incubação) decorrido entre a aquisição da infecção e o desenvolvimento das manifestações clínicas da tuberculose é, em geral, prolongado (meses, anos). No primeiro ano após a infecção cerca de 3 a 4% dos indivíduos adoecem. As manifestações clínicas resultantes são muito variáveis, dependendo do órgão acometido e, habitualmente, evoluem de forma insidiosa, em semanas ou meses.

A tuberculose geralmente afeta os pulmões, mas pode ocorrer nos gânglios linfáticos, nos ossos e articulações, na laringe, nos olhos, no sistema nervoso central, nos rins, nos órgãos genitais, no intestino e na pele. A apresentação mais comum é a tuberculose pulmonar, que se caracteriza por tosse persistente (com mais de 15 dias) podendo ou não estar acompanhada de expectoração com raias de sangue, febre predominantemente noturna com sudorese intensa, perda de apetite, emagrecimento e sensação de cansaço excessivo. Outra forma comum de apresentação é a tuberculose linfática, que freqüentemente envolve os linfonodos cervicais e supraclaviculares, com aumento ganglionar (“ínguas”) progressivo. Evolutivamente os gânglios cervicais tendem a adquirir uma consistência mais amolecida (necrose central), por vezes drenando espontaneamente conteúdo purulento. A tuberculose meníngea, embora menos freqüente, representa uma forma muito grave de apresentação, com letalidade elevada e alto índice de seqüelas nos sobreviventes. Geralmente manifesta-se de forma insidiosa (dias a semanas) com febre, cefaléia, sonolência e alteração de comportamento (irritabilidade, agressividade ou passividade, dificuldade de concentração). Evolui com rigidez de nuca, por vezes convulsões e sinais de comprometimento encefálico focal (como paralisias de membros, da face e da musculatura ocular) e queda progressiva do nível de consciência (do torpor ao coma profundo).

Mais raramente, particularmente em imunodeficientes e em menores de 1 ano, a resposta imune celular desencadeada, pode não ser suficiente para deter a disseminação do processo infeccioso por via sanguínea e linfática e as manifestações da tuberculose podem surgir de forma mais aguda (dias) e evoluir rapidamente com envolvimento pulmonar difuso (tuberculose "miliar") e acometimento generalizado de órgãos e glândulas. Em geral, esta forma de tuberculose disseminada caracteriza-se por febre, perda de peso, palidez (anemia), prostração progressiva, aumento dos linfonodos, do fígado e do baço. As manifestações respiratórias (tosse, dor torácica, falta de ar) também são freqüentes. Podem surgir lesões na pele e nas mucosas e o sistema nervoso central pode ser afetado (meningoencefalite). A forma disseminada é a apresentação mais grave da tuberculose. Se não adequadamente tratada resulta invariavelmente em morte.

Tratamento

A primeira droga eficaz no tratamento da tuberculose, a estreptomicina, foi empregada apenas a partir de 1946. Atualmente o tratamento é  feito com, no mínimo, três drogas diferentes (geralmente rifampicina, isoniazida e pirazinamida) e por tempo prolongado (6 meses). Na maioria das situações o tratamento pode ser feito ambulatorialmente e os medicamentos para tuberculose são administrados por via oral.

A interrupção precoce do tratamento ou o uso inadequado das medicações aumentam a chance de aparecimento de M. tuberculosis resistentes. A resistência aos medicamentos, que já ocorre em vários países (inclusive no Brasil), torna mais difícil a terapêutica e o controle da transmissão da tuberculose. Em razão disto, atendendo a uma recomendação da Organização Mundial da Saúde, dezenas de países adotaram, com aparente sucesso, o tratamento supervisionado (ou DOTS - Directly Observed Therapy Short-Course), no qual o profissional de saúde passa a observar a ingestão dos medicamentos pelo doente. O objetivo é diminuir as chances de abandono da terapêutica e reduzir a probabilidade de ocorrência de resistência do M. tuberculosis aos medicamentos. No Brasil o tratamento supervisionado já é adotado em alguns municípios.

Confirmação do diagnóstico

A confirmação do diagnóstico de tuberculose deve ser feita através da demonstração da presença do Mycobacterium tuberculosis em materiais biológicos (escarro, sangue, líquido pleural, líquido cefalorraquidiano). Embora, métodos de demonstração direta (como o Ziehl-Neelsen do escarro) sejam úteis na abordagem inicial, é sempre desejável isolar a bactéria em cultura, para que se possa determinar a susceptibilidade desta aos antimicrobianos e detectar eventual resistência às drogas geralmente utilizadas, que exija ajustes terapêuticos posteriores.

O teste cutâneo da tuberculina (PPD - Purified Protein Derivative) pode ser utilizado na investigação de contactantes de pessoas com tuberculose, para verificar a ocorrência de infecção pelo M. tuberculosis. A reatividade ao PPD (ou teste de Mantoux) reflete apenas o contato anterior (infecção) com o M. tuberculosis, e não significa, necessariamente, que o indivíduo esteja doente ou que vá desenvolver tuberculose. Não tem, habitualmente, valor para o diagnóstico de tuberculose (doença), principalmente em populações com alta prevalência de infecção pelo M. tuberculosis. Além disto, a falta de reatividade ao teste não exclui a doença, visto que pode estar ausente em pessoas com imunodeficiência (ainda que gravemente acometidos pela tuberculose), pela simples incapacidade imunológica de resposta ao estímulo do teste.

Disponível em 12/09/2004, 06:17 h. Atualizado em 23/10/2006, 21:14 h.

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