Fernando SV
Martins, Luciana GF Pedro & Terezinha Marta PP Castiñeiras
As
doenças transmitidas através da ingestão de
água e alimentos contaminados estão entre
os principais riscos para a saúde durante as viagens. Mais de 250
doenças podem ser transmitidas desta forma, causadas por agentes
infecciosos (incluindo príons), toxinas
(produzidas por agentes
infecciosos ou por organismos marinhos) e contaminantes
químicos. Estas
doenças
podem ocorrer em qualquer país do mundo, inclusive nos mais
desenvolvidos. Em países em desenvolvimento, onde a
infra-estrutura de saneamento básico é inadequada ou
inexistente, o
risco de transmissão é ainda maior, visto ser
relativamente comum a
contaminação das fontes de água e de alimentos com
resíduos
fecais.
Transmissão
Os
agentes infecciosos
(bactérias, vírus, helmintos e protozoários)
são
a principal causa de doenças
transmitidas por água e alimentos contaminados
em viajantes.
A influência do
consumo de
bebidas
alcoólica,
do stress
e da mudança na dieta como causa de diarréia ainda não
está claramente
definida e, provavelmente estes fatores são responsáveis
por uma parcela dos casos leves
que evoluem sem febre ou comprometimento significativo da saúde
do viajante. Estas
doenças podem ser freqüentes,
como a diarréia
dos
viajantes, ou raras
e graves como a encefalopatia
espongiforme transmissível ("doença
da vaca louca”), que é invariavelmente fatal.
A
maioria dos agentes infecciosos pode
ser adquirida através de transmissão
fecal-oral, resultante da contaminação de água e
alimentos por
dejetos, direta
ou indiretamente. A
disposição inadequada de dejetos, comumente
humanos, ocasiona a contaminação da água que
é utilizada para consumo e preparação de
alimentos. A
contaminação
pode ocorrer antes, durante ou após o
preparo dos
alimentos e
pode estar
relacionada
com a preparação inadequada (alimentos não lavados
adequadamente, crus ou mal passados), com a manipulação
sem higiene
correta (mãos que não foram adequadamente lavadas) ou com
o contato
com insetos (moscas e baratas). O consumo de alimentos preparados
por vendedores ambulantes ou a ingestão de alimentos crus (ou
inadequadamente preparados), em especial frutos do
mar, constitui um risco elevado de adoecimento para o viajante A
alimentação feita
diretamente com as
mãos ou o compartilhamento de um mesmo recipiente com
outras pessoas (comum em diversas culturas), aumentam o risco de
aquisição
de doenças.
A
diarréia
dos viajantes,
em geral, é uma infecção
alimentar, ou seja,
ocorre após
a ingestão de água
ou alimentos contaminados por um agente infeccioso, que
pode
multiplicar-se no trato digestivo humano. As
intoxicações
alimentares são
doenças
freqüentes, inclusive em países desenvolvidos, e resultam
da
ação
de toxinas
elaboradas em
razão
da multiplicação de agentes
infecciosos nos alimentos antes, durante ou após
o preparo, ou seja,
antes
do consumo (toxinas
pré-formadas).
A
"doença da vaca louca”, em animais, afeta exclusivamente
o gado
bovino que é
alimentado com rações preparadas a partir de
carcaças de
ruminantes recicladas. O agente etiológico (príon)
está presente
principalmente no tecido nervoso do animal infectado (cérebro,
medula e nervos periféricos), é altamente resistente e
não é inativado durante o
processo de reciclagem das carcaças, o que permite a sua entrada
na cadeia alimentar do
gado bovino. Em seres humanos, a
encefalopatia
espongiforme transmissível
ou variante
da doença de Creutzfeldt-Jakob
("doença da vaca louca") é uma doença rara,
invariavelmente fatal, que causa degeneração
crônica do sistema nervoso central. A doença, que
não existe no Brasil, é transmitida através de
ingestão de carne bovina ou derivados contaminados com príons,
partículas protéicas capazes de alterar o metabolismo
celular, que
levam à produção anormal de proteínas que
se depositam no
cérebro. Os príons,
que também podem ser transmitidos a partir da transfusão
de sangue de pessoas infectadas, não podem ser inativados por
qualquer dos métodos (ferver, assar, fritar) utilizados no
preparo da carne bovina para consumo.
Medidas de proteção
individual
Ainda
que pareça, a
seleção de alimentos seguros e de água adequada
para o consumo não é tarefa simples, uma vez que envolve
mudança de hábitos individuais e compreensão clara
dos riscos existentes. Em
geral,
a aparência, o cheiro e o sabor dos alimentos não ficam
alterados
pela contaminação com o agentes infecciosos. A alimentação na rua com vendedores
ambulantes constitui um risco elevado de aquisição de
doenças em qualquer lugar do
mundo. Para reduzir os riscos, o
viajante
deve alimentar-se em locais que tenham
condições adequadas ao preparo higiênico de
alimentos, além de observar cuidados adicionais. Os alimentos devem ser bem cozidos
e servidos logo após a
preparação,
para evitar nova contaminação. Quando
preparados com antecedência, devem ser novamente aquecidos,
imediatamente
antes do consumo e servidos ainda quentes ("saindo fumaça"). O
consumo de água mineral gaseificada,que tem
menor risco de estar adulterada, e
de outras
bebidas engarrafadas industrialmente, como refrigerantes, cervejas e
vinhos, é geralmente seguro. Café e chá bebidos
ainda
quentes
não constituem risco. O congelamento
não elimina os agentes
infecciosos. Em razão disto, não deve ser utilizado
gelo em
bebidas,
a não ser que tenha sido preparado com água tratada
(clorada
ou fervida). A
adição de alcóol também não
esteriliza a
água ou o gelo, portanto as bebidas
como batidas e caipirinhas podem estar
contaminadas. Não se deve beber
água mineral, refrigerantes ou cerveja diretamente de latas ou
garrafas, sem lavá-las adequadamente, pois a parte externa do
recipiente poderá estar contaminada. É preferível,
utilizar canudo plástico (protegido individualmente por
embalagem) ou copo
adequadamente limpo. As verduras, particularmente as folhas (como
alface, rúcula e agrião), podem ser facilmente
contaminadas e
são difíceis de serem lavadas adequadamente.
Vendedora ambulante "filtrando" bebida para turistas.
Altiplano
Andino, 1998.
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Foto: Paula Filgueiras
Etienne, 1998.
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Em uma área não possui
infra-estrutura de saneamento básico adequada, a água
para consumo deve ser tratada pelo próprio
viajante. O tratamento químico da
água a ser
utilizada como bebida ou no preparo de alimentos pode ser feito com
compostos
halogenados (cloro ou iodo). O cloro e o iodo são capazes de
eliminar a maioria dos agentes
infecciosos
e têm eficácia semelhante, quando utilizados nas
concentrações e por períodos de tempo adequados
para o tratamento. No entanto, os oocistos do Cryptosporidium parvum (que
pode causar diarréia
em imunodeficientes) são resistentes a ambos. Além disto,
deve ser considerado que o iodo ingerido com a água pode induzir
o mau
funcionamento da tireóide, quando utilizado por
longo
período ou em indivíduos predispostos. Os
compostos
iodados estão
absolutamente contra-indicados em gestantes
e em pessoas
portadoras
de doenças tireoidianas.
A Organização
Mundial da Saúde (OMS)
recomenda o
tratamento da água a ser utilizada como bebida
ou no preparo de alimentos com
6 mg
de cloro para cada litro. O cloro
é bastante eficaz
contra diversos agentes infecciosos (bactérias,
vírus, protozoários, helmintos, fungos). O tratamento pode ser feito com hipoclorito
de sódio a 2 - 2,5% (água
sanitária) ou cloro em
comprimidos. "Água
sanitária"
é a designação de um composto químico
amplamente empregado para limpeza e
desinfecção de superfícies, cujo princípio
ativo é o hipoclorito
de sódio (NaClO).
É utilizada como agente clareador (alvejante), na
dissolução
de substâncias orgânicas e como germicida. No entanto, deve-se
ter cuidado na aquisição de preparações
contendo cloro ("água
sanitária"). Existem algumas que, além do hipoclorito de
sódio,
contém outras substâncias (detergentes,
aromatizantes) que as tornam
impróprias
para o tratamento da água para consumo. As
instruções dos
fabricantes devem sempre ser cuidadosamente lidas e o prazo de
validade observado (o da água sanitária é de seis
meses). Quando
se utiliza um conta-gotas de 1 ml = 20 gotas, 5 gotas de hipoclorito
de sódio a 2,5% contém 6 mg de cloro.
O tratamento da água com
comprimidos de cloro deve ser feito de
acordo com as instruções dos fabricantes, observando-se
cuidadosamente as recomendações em relação
à concentração
adequada para diferentes volumes e finalidades de
utilização da
água. Os comprimidos contendo
cloro podem
ser
encontrados em diversas concentrações e algumas podem
estar
indicadas para o tratamento de volumes de até 100 litros de
água.
O cloro (hipoclorito de sódio ou comprimidos) deve ser
adicionado à
água no mínimo 30 minutos antes da sua
utilização como
bebida ou para o preparo de alimentos. Em geral, nos conta-gotas de 1
ml, esse volume corresponde a 20 gotas a serem adicionadas a cada
litro de água destinada ao consumo como bebida. É
prudente, no
entanto, que a proporção 1 ml = 20 gotas seja sempre
verificada em
cada novo conta-gotas utilizado. Em recipientes fechados, a água
tratada com cloro pode ser utilizada até por 24 horas. Como a
eficácia do cloro pode ser reduzida pela presença de matéria
orgânica,
quando a água estiver
turva
a alternativa mais mais segura antes do consumo é a fervura,
durante até um minuto.
Para desinfecção de frutas,
verduras e legumes deve ser
utilizado 2 ml (40 gotas) de hipoclorito de sódio a 2,5% para
cada
litro de água, ou comprimidos de cloro na
concentração indicada
pelo fabricante. Preliminarmente,
para
reduzir
a quantidade de matéria orgânica presente, devem ser lavados
com a água tratada
com cloro. Em seguida devem ser mantidas
imersas por 30 minutos na água
clorada. Após este período de tempo, antes do consumo,
devem ser
lavados
com água tratada
com a mesma concentração de cloro adequada
à sua utilização como bebida. A
desinfecção deste tipo de alimento deve ser feita mesmo
quando existe uma rede pública com água tratada
disponível.
Os
filtros portáteis podem ser úteis no tratamento da
água
para consumo. No entanto, a
eficácia depende diretamente do diâmetro dos poros e os
filtros podem não eliminar todos os agentes
infecciosos. Filtros portáteis com poros entre 0,1
a 1 µm, removem a maioria bactérias,
helmintos
e protozoários, mas
não eliminam os vírus de forma efetiva. Em
razão
disto, o viajante deve utilizar filtros impregnados previamente com
compostos halogenados ou, alternativamente, utilizar cloro (ou iodo)
após a filtração. É importante verificar
as instruções do fabricante quanto ao número de
vezes em que é possível a utilização
segura do filtro.
Em países onde pode
ocorrer a encefalopatia
espongiforme transmissível
("doença da vaca louca), deve ainda ser levado em
consideração que nenhum dos métodos de
preparo da carne bovina (inclusive cozimento) é capaz de
inativar o
agente causador da doença. O risco de transmissão
é mais elevado em produtos que
contenham quantidade maior de tecido nervoso, como hambúrgueres
e
embutidos
(como salsichas,
salames e mortadelas). O risco de encefalopatia
espongiforme transmissível
("doença da vaca louca) parece ter sido reduzido
significativamente com as medidas sanitárias de controle
adotadas (como a proibição do uso de rações
preparadas a partir de carcaças de
ruminantes). No entanto, os métodos habituais de
preservação (congelamento, pasteurização e
esterilização) e preparo (inclusive cozimento) de
alimentos não inativam o
agente causador da doença (príon) e
os riscos, embora atualmente pareçam insignificantes, não
podem ainda ser considerados como inexistentes. Em razão
disto, em países onde ocorra a doença no gado (Reino
Unido, França etc.) para estar o mais protegido possível
o
viajante pode optar por não consumir carne bovina ou, em
caso contrário, fazê-lo de modo seletivo. Nesta
última circunstância, o consumo de de carne deve limitar-se
às peças sólidas
(músculos, como filé, alcatra etc.), que têm risco
menor de transmissão. Adicionalmente, recomenda-se que não
consuma alimentos como hambúrgueres, salsichas,
salames e mortadelas),
considerados de risco mais elevado em razão de conter uma
quantidade maior de tecido nervoso. O leite e os derivados do leite
são seguros.
Medidas
de proteção => Doenças
transmitidas pelo consumo de água e alimentos
-
Hospedar-se
em áreas com infra-estrutura adequada (água e esgoto
tratados).
-
Lavar
sempre as mãos com água e sabão antes do preparo
de alimentos,
antes das refeições e quando utilizar o toalete.
-
Não
consumir qualquer tipo alimento adquirido com vendedores
ambulantes.
-
Não
consumir alimentos preparados previamente e que sejam guardados ou
expostos por um período prolongado à temperatura ambiente
(como em buffets).
-
Não
consumir alimentos crus ou mal-cozidos, preparados à base de
ovos
(como maionese)
ou leite, molhos, carne, peixe, crustáceos e moluscos. Preferir
o
consumo de alimentos bem cozidos ou fervidos, preparados na hora do
consumo.
-
Não
consumir alimentos “preparados na hora“ (como hambúrgueres
e sanduíches)
quando não houver segurança de que os produtos
necessários foram
armazenados em locais e temperaturas adequadas.
-
Não
consumir sucos de frutas, bebidas que contenham gelo ou água
não
tratada, sorvetes e sobremesas tipo mousse.
-
Utilizar
água mineral gasosa engarrafada industrialmente, que em geral
tem
menor risco de estar adulterada e de transmitir de doenças.
Quando
não for possível, beber água tratada
(cloro ou iodo) ou fervida.
Preferir o consumo de bebidas engarrafadas ou enlatadas
industrialmente. Refrigerantes, cervejas e vinhos geralmente são
seguros.
-
Não
beber água mineral, refrigerante ou cerveja diretamente de latas
ou
garrafas, sem lavá-las. Utilizar canudo plástico embalado
individualmente ou copo adequadamente limpo.
-
Verifique
a composição do produto que contém cloro e observe
atentamente as
instruções dos fabricantes em relação
à concentração adequada
para diferentes volumes e finalidades de utilização da
água.
-
Não
consumir leite que não seja pasteurizado (ou previamente
fervido) ou
produtos lácteos (como iogurtes, cremes
e queijos)
elaborados a partir de leite in
natura. Café e chá preparados com
água fervida e servidos ainda quentes (“saindo fumaça”)
não
oferecem risco.
-
Não
consumir verduras (como alface),
que não estejam desinfectadas ou frutas cruas que não
possam ser
descascadas (como uvas)
antes do consumo.
-
Evitar
(ou não consumir) carne
bovina em países (Reino Unido, França etc) onde ocorra
"doença
da vaca louca”. Nestes países, em
qualquer circunstância, não
consumir alimentos considerados
de maior risco (como hambúrgueres, salsichas, salames
e mortadelas) por
conter uma quantidade elevada de tecido nervoso.
-
Utilizar
água tratada (ou mineral) para escovar os dentes. Em geral,
mesmo em
países desenvolvidos, a água disponível nos
toaletes dos trens não
é potável.
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