Cives
Centro de Informação em Saúde para Viajantes |
Síndrome Respiratória Aguda Grave
Fernando S. V. Martins
Em 12 de março de 2003 a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou um Alerta Global sobre a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, do inglês Severe Acute Respiratory Syndrome), uma pneumonia atípica grave, transmissível para contactantes próximos, inclusive profissionais da área da saúde, e ainda sem etiologia determinada.
Os primeiros casos desta doença ocorreram a partir de 16 de novembro de 2002, em Gunagdong (China). Em 11 de fevereiro de 2003 a OMS recebeu a notificação sobre a ocorrência na província de Guangdong, de 305 casos de pneumonia atípica grave, 105 dos quais em profissionais da área da saúde. Ocorreram cinco óbitos, e em dois destes foi detectada a presença de Chlamydia.
Etiologia
Nos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave que ocorreram depois do caso índice, os exames para determinação da etiologia (ELISA, PCR) não demonstram a presença de agentes conhecidos que poderiam estar envolvidos (influenza, parainfluenza, Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia spp, hantavírus etc.). O achado de Chlamydia, uma bactéria que pode causar infecções respiratórias, foi possivelmente ocasional. A causa da doença é, muito provavelmente, um vírus. Três vírus tornaram-se candidatos a possível agente da Síndrome Respiratória Aguda Grave. O primeiro seria um novo vírus da família dos paramixovírus (laboratórios da Alemanha e Hong Kong), o segundo seria um metapneumovírus (laboratórios do Canadá) e o terceiro um novo coronavírus (laboratórios dos Estados Unidos, Alemanha e Hong Kong).
Na Alemanha, em material (swab de garganta escarro) de dois pacientes e no sangue de um deles, foram detectadas, por microscopia eletrônica, partículas morfologicamente semelhantes a um paramixovírus. Achado semelhante foi feito na Universidade Chinesa de Hong Kong, com material de um dos pacientes. Em 22 de março o Laboratório Nacional de Microbiologia do Canadá, informou ter encontrado "evidências" da presença de um metapneumovírus em amostras e 6 dos 8 casos em investigação. Em 25 de março, nos Estados Unidos (CDC) foi divulgado o isolamento de um novo coronavírus, anunciado como possível causa da doença. Outros laboratórios (Universidade de Hong Kong e Universidade de Frankfurt), utilizando testes moleculares fornecidos pelos CDC, também detectaram a presença deste novo coronavírus em diversas pessoas com a Síndrome Respiratória Aguda Grave.
Os paramixovírus e os coronavírus são duas famílias de vírus que podem causar infecções em animais vertebrados. Em seres humanos, os paramixovírus causam infecções respiratórias (vírus parainfluenza, vírus sincicial respiratório, metapneumovírus), sarampo, caxumba e encefalites (vírus Hendra e Nipah). Alguns dos paramixovírus foram identificados recentemente, como o Hendra (1994), o Nipah (1999) e o metapneumovírus (2001). Este último pode produzir manifestações respiratórias semelhantes às do vírus sincicial respiratório. Os coronavírus causam infecções respiratórias, sendo um dos mais freqüentes agentes etiológicos do resfriado comum.Os paramixovírus (incluindo o metapneumovírus) e os coronavírus podem ser detectados em seres humanos com ou sem doença.
O novo coronavírus (veja microfotografia eletrônica) parece ser a causa mais provável da Síndrome Respiratória Aguda Grave. O seqüenciamento genético do vírus foi obtido no Genome Sciences Centre (Canadá) e nos CDC (Estados Unidos), a partir de culturas provenientes de dois diferentes pacientes. As análises sugerem que o vírus associado à doença é diferente de todos os outros coronavírus conhecidos.
Definição de caso
(01/05/2003) para efeitos de vigilância epidemiológica
Caso suspeito
1. Pessoa que apresente:
Critério de exclusão
Entre 1 de novembro de 2002 e 8 de julho de 2003 a OMS recebeu 8436 notificações de casos "prováveis" de Síndrome Respiratória Aguda Grave (sem acréscimo em relação ao boletim de 7 de julho), incluindo 812 óbitos. Deste total, 7433 pessoas já se recuperaram ou tiveram alta. A epidemia de Guangdong está relacionada com os casos ocorridos a partir de 26 de fevereiro, o que a OMS passou a admitir oficialmente apenas em 26 de março. Como o diagnóstico da Síndrome Respiratória Aguda Grave é feito pela exclusão de outras doenças, o número e a origem dos casos podem ser alterados freqüentemente. Em 28 de abril, a OMS retirou o Vietnã da lista de países onde ocorre transmissão da doença, em razão de não ter sido registrado novos casos por mais de 20 dias consecutivos (o dobro do período de incubação). A transmissão local parece ter sido interrompida em todos os países, em 7 de julho de 2003. A partir de 8 de julho, o número de casos será atualizado apenas se houver alteração desta situação.
Síndrome Respiratória
Aguda Grave: casos prováveis
notificados por países e áreas,
entre 01/11/02 - 08/07/2003
País
Casos
Data do último caso
Áreas com transmissão local recente
Manifestações
As manifestações clínicas da Síndrome Respiratória Aguda Grave são febre alta de início súbito, tosse seca, dor no corpo, na cabeça e na garganta. Além disto, pode ocorrer perda do apetite, mal estar, dispnéia, confusão mental, exantema e diarréia. Pode ocorrer trombocitopenia acentuada, leucopenia, elevação das aminotransferases (2 a 6 seis vezes acima dos valores de referência) e da CPK (acima de 3000 UI/l). A maioria dos casos (mais de 80%) começa a apresentar melhora após uma semana de doença. Alguns (10 a 20%) evoluem de forma grave, apresentando pneumonia bilateral e, eventualmente, insuficiência respiratória. A doença é mais comum em adultos e mais grave em pessoas com mais de 40 anos, principalmente nas que tenham doenças crônicas associadas.
Letalidade
A letalidade média da Síndrome Respiratória Aguda Grave, que depende de fatores como idade, presença de doenças associadas e recursos disponíveis para tratamento, é estimada atualmente em cerca de 15%.
Síndrome Respiratória
Aguda
Grave:
faixa etária e letalidade
estimada
Faixa etária
(anos)
Letalidade (%)
< =
24
< 1
25 a
44
6
45 a
64
15
>
65
>50
Fonte:
OMS, 07/05/2003
Confirmação do diagnóstico
Tratamento
Transmissão
Os dados disponíveis sugerem que o período de incubação situa-se entre 2 e 10 dias e que a Síndrome Respiratória Aguda Grave é menos transmissível que a influenza. Parece ser possível a transmissão respiratória e pelo contato direto com materiais biológicos. A transmissão parece ocorrer somente após o aparecimento das manifestações clínicas. O contato casual não parece implicar em risco de transmissão. A maioria dos casos, a partir de 26 de fevereiro, ocorreu em profissionais da área da saúde e estudantes de medicina ou em pessoas que tiveram contato muito próximo (como familiares) com indivíduos doentes.
Riscos
A facilidade e a rapidez que tornam possível o deslocamento de um elevado número de pessoas para diversos países e regiões faz com que exista risco de disseminação da doença para novas áreas. Não há como impedir a entrada de pessoas com a Síndrome Respiratória Aguda Grave, visto que milhares de pessoas chegam (aviões, navios, ônibus etc) diariamente ao país. No Rio de Janeiro, além do Aeroporto Internacional, existem dois grandes portos (Rio e Sepetiba) e a Plataforma de Campos, de onde não raramente tripulantes de navios procedentes do exterior são transportados de helicóptero, inclusive para o aeroporto Santos Dumont (que recebe vôos domésticos).
A estratégia para evitar a disseminação da doença baseia-se na detecção precoce e isolamento adequado dos casos que possam acontecer em pessoas provenientes de outros locais. Para tanto é necessário que todas as pessoas que ingressam no país, por qualquer meio de transporte, recebam material informativo contendo as manifestações da doença e como proceder em caso de adoecimento. É conveniente o material informativo esteja, adicionalmente, disponível na rede hoteleira. As embaixadas e consulados também devem receber as informações, pois é razoável que um estrangeiro que adoeça no Brasil possa pedir auxílio às representações diplomáticas do país de origem.
Não é recomendável, por motivos óbvios, que as pessoas com suspeita de Síndrome Respiratória Aguda Grave procurem diretamente as unidades de referência. É mais adequado centralizar (acesso telefônico 24 horas por dia) o encaminhamento, de modo que seja possível saber quantos leitos estão disponíveis a cada dia e para qual dos locais designados para atendimento médico seria possível encaminhar o paciente. Isto evitaria o arriscado deslocamento, por meios próprios, de pessoas com suspeita de serem portadoras de uma doença potencialmente grave e transmissível em busca de vagas. No Rio de Janeiro, durante a epidemia de leptospirose de 1988, criou-se uma estrutura centralizada semelhante, que permitiu a utilização racional das vagas disponíveis e tornou ágil o atendimento das pessoas doentes.
No caso de adoecimento a bordo de uma aeronave ou navio, o comandante deve informar imediatamente às autoridades sanitárias do local de escala ou de destino para que sejam adotadas as providências adequadas. Todos os passageiros e a tripulação devem ser informados sobre a suspeita e, nestas circunstâncias, é importante que forneçam às autoridades de saúde do aeroporto os dados necessários para contato e, também, que recebam informações precisas de como proceder caso adoeçam. O risco de transmissão da doença durante uma viagem aérea parece estar restrito às pessoas que estiveram muito próximas do indivíduo doente. Para efeitos de vigilância considera-se como contato muito próximo todas as pessoas que viajaram, em relação indivíduo doente, na mesma fileira de assentos e nas duas anteriores e posteriores. Deve-se levar em consideração que retirar eventuais pacientes de navios (necessariamente fundeados em áreas afastadas) será previsivelmente uma operação complexa. As aeronaves quando transportarem passageiros com suspeita da Síndrome Respiratória Aguda Grave, por precaução, devem ser desinfectadas de acordo com o WHO Guide to Hygiene and Sanitation in Aviation.
Medidas de proteção
O Cives recomenda (desde 16 de março) que, por cautela, seja considerada a possibilidade de adiar as viagens, quando não essenciais, para todas as áreas onde foram notificados casos de transmissão local recente da Síndrome Respiratória Aguda Grave, até que estejam disponíveis informações mais precisas sobre cada área.
A OMS passou a recomendar, apenas em 2 de abril, que as pessoas evitassem viagens não essenciais para Guangdong e Hong Kong e, no dia 23, passou também a incluir Shanxi, Beijing (Pequim) e Toronto. Em 29 de abril a OMS deixou de fazer restrições às viagens a Toronto, pelo fato do Canadá não ter registrado transmissão na comunidade por 20 dias consecutivos. A OMS, contudo, não explica porque Toronto não foi incluida antes de 23 de abril entre os locais a serem evitados, uma vez que estava ocorrendo transmissão na comunidade. Em 23 de maio a OMS também deixou de fazer restrição às viagens a Gangdong e Hong Kong, porque a epidemia "está sendo contida" nestes locais.
A OMS recomenda que as pessoas com manifestações compatíveis com pneumonia atípica, que possa estar relacionada com a Síndrome Respiratória Aguda Grave, sejam mantidas em isolamento,com abordagem clínica, terapêutica e diagnóstica adequadas. Recomenda ainda que qualquer caso suspeito seja notificado às autoridades de saúde.
Apenas os profissionais que sejam essenciais ao atendimento devem ter acesso aos quartos de isolamento de paciente com suspeita de Síndrome Respiratória Aguda Grave, o que exclui estudantes, pessoal em treinamento e estagiários. As visitas devem ser limitadas ao máximo e, quando eventualmente ocorrerem, o visitante deve estar usando, sob supervisão, os equipamentos de proteção individual adequados.
Contactantes
Os contactantes devem receber informações adequadas sobre a doença e manter suas atividades habituais, porém é necessário que evitem atividades sociais ou de negócios (festas, reuniões) que envolvam contato mais ou menos prolongado com outras pessoas em ambientes fechados e, portanto é necessário que sejam temporariamente, afastados do trabalho ou das aulas por licença médica. A OMS (7 de abril) recomenda que os contactantes de casos suspeitos sejam objeto de vigilância passiva e os de casos prováveis submetidos à vigilância ativa, ambos durante 10 dias. Isto significa que, no primeiro caso, o contactante deve entrar em contato apenas se desenvolver manifestações (febre), e no segundo que deve, diariamente, verificar a temperatura corporal e receber a visita (ou telefonema) de um agente dos serviços de saúde. A OMS não recomenda nenhuma medicação profilática para os contactantes assintomáticos. Caso o contactante desenvolvafebre deve ser, submetido a exame clinico em condições adequadas e, quando a avaliação indicar, internado em isolamento preferencialmente com pressão negativa.
Critérios de Alta e Acompanhamento
É necessário que sejam fornecidas ao paciente informações adequadas sobre a doença e cuidados a serem seguidos, além de instruções precisas sobre como entrar em contato com o hospital responsável pelo atendimento. Após a alta, os pacientes devem permanecer dentro de casa por 7 dias e restringir (por cautela) o contato com outras pessoas ao mínimo indispensável. A temperatura corporal deve ser medida e duas vezes por dia e, se houver febre acima 38 °C (ou qualquer agravamento das manifestações), a instituição responsável pelo paciente deve ser imediatamente informada. Após este período, o paciente deve ser reavaliado (clínica e laboratorialmente) para se determinar a necessidade de prosseguir com o isolamento domiciliar.
Disponível em 16/03/2003, 23:21 h. Atualizado em 08/07/2003, 20:19 h.
Fontes: Centers for Disease Control and Prevention (CDC), Genome Sciences Centre, Health Canada Online, Organização Mundial da Saúde e ProMed.
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