|
Fernando S. V. Martins, Terezinha Marta P.P. Castiñeiras & Luciana G. F. Pedro
A malária é uma doença infecciosa potencialmente grave, causada por parasitas (protozoários do gênero Plasmodium) que são transmitidos de uma pessoa para outra pela picada de mosquitos do gênero Anopheles. A malária, contra a qual não estão disponíveis vacinas, é a principal preocupação dos viajantes atendidos pelo Cives.
Transmissão
A malária, em condições naturais, é transmitida por fêmeas de mosquitos do gênero Anopheles. A transmissão é mais comum no interior das habitações, em áreas rurais e semi-rurais, mas pode ocorrer em áreas urbanas principalmente na periferia. Em altitudes superiores a 2000 metros, no entanto, o risco de aquisição de malária é pequeno.
O principal transmissor na Região Amazônica é o Anopheles darlingi, que tem como criadouro grandes coleções de água. O Anopheles aquasalis, que se prolifera em coleções de água salobra, predomina sobre o A. darlingi na faixa litorânea, inclusive no Rio de Janeiro. Estes mosquitos tem maior atividade durante a noite, do crepúsculo ao amanhecer e, geralmente picam no interior das habitações.
A malária é causada por protozoários do gênero Plasmodium. Quatro espécies podem produzir a infecção - Plasmodium falciparum, Plasmodium vivax, Plasmodium malariae e Plasmodium ovale. O P. ovale ocorre apenas na África e, raramente, no Pacífico Ocidental. O P. falciparum é o que causa a malária mais grave, podendo ser fatal. O risco maior de aquisição de malária é no interior das habitações, embora a transmissão também possa ocorrer ao ar livre.
Como os Plasmodium estão presentes na circulação sangüinea durante a infecção, a transmissão da malária também pode ocorrer a partir de transfusões de sangue, de transplantes de órgãos, da utilização compartilhada de seringas por usuários de drogas endovenosas ou da gestante para o filho (malária congênita) antes ou durante o parto.
Riscos
Cerca de 40% da população mundial vive em áreas com risco de transmissão de malária, resultando em não menos que 300 milhões de pessoas infectadas no mundo a cada ano, mais de 90% em países africanos, com um número de mortes entre 1 e 1,5 milhões. A transmissão ocorre mais de 100 países da América do Norte (México), América Central, América do Sul (principalmente na Bacia Amazônica), Caribe (República Dominicana e Haití), África, Ásia (Subcontinente Indiano, Sudeste Asiático e Oriente Médio), Europa Oriental e Oceania. O risco de aquisição de malária não é uniforme dentro de um mesmo país e, freqüentemente, é desigual para locais situados em uma mesma região, além de sofrer variações com as estações do ano e ao longo do tempo. A situação da malária parece estar piorando, especialmente nas "fronteiras" de desenvolvimento econômico da América do Sul e do Sudeste da Ásia. Os problemas são mais graves em áreas de conflitos armados e de deslocamentos de refugiados.
Riscos no Brasil
No Brasil, a existência de malária (febres terçãs e quartãs) é registrada de forma esporádica pelo menos desde 1587. A partir da década de 1870, com o início da exploração da borracha na Região Amazônica, torna-se um grande problema de Saúde Pública. A exploração da borracha atraiu dezenas de milhares de imigrantes provenientes do Nordeste, que foram sistematicamente dizimados pela malária. No Sudeste do país, na mesma época, a transmissão crescia acentuadamente na Baixada Fluminense e no Vale do Paraíba, uma vez que a abolição da escravatura, e o conseqüente colapso da aristocracia rural cafeeira, fez cessar os pequenos trabalhos de combate à malária, para os quais contribuía a mão de obra escrava. Não sem razão, no início do século vinte, a malária ocorria praticamente em todo o território brasileiro.
Tabela
1
MALÁRIA
- TRANSMISSÃO NA REGIÃO AMAZÔNICA
Número
de casos por Estado: 1999 - 2006
Estado/Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006* Acre 23.730 21.560 7.774 9.216 12.247 31.720 57.105 93.537 Amazonas
167.722
96.026 48.385 70.223 140.642
147.482 222.545 180.290
Amapá
28.646 35.278 24.487 16.257
16.650
20.671 28.052 29.123
Maranhão
54.800 78.818 39.507 16.000
11.017
14.470 11.159 9.400
Mato Grosso
10.950 11.767
6.832 7.085 5.022 6.484
8.436 6.577
Pará
248.233 278.204 186.367 149.088 115.605
109.829 122.442 100.436
Rondônia
63.296 54.074 57.679 71.224
93.786 106.166 118.534 100.273
Roraima
36.238 35.874 16.028 8.036
11.819
26.201 31.961 20.036
Tocantins
2.031
1.640 1.244 1.130
1.207 850 718
375
Total
635.646 613.241 388.303 348.259 407.995
464.863 600.952 540.047
* dados sujeitos à revisãoFonte: Ministério da Saúde - Secretaria de Vigilância em Saúde, 2007 |
Atualmente, a transmissão da malária no Brasil está basicamente restrita à Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins) [Tabela 1]. Em 2006, os municípios de Cruzeiro do Sul (AC), Manaus (AM) e Porto Velho (RO) foram responsáveis por 22,59 % do total de casos de malária da Amazônia. Nas cidades desta Região pode haver transmissão significativa, mesmo em algumas das capitais dos Estados, como vem acontecendo com freqüência na periferia de Manaus e Porto Velho. No entanto, em Belém, São Luiz (situada fora da Região Amazônica), Cuiabá e Palmas o risco é quase inexistente.
Nos Estados fora da Região Amazônica, o risco de transmissão local (autóctone) é pequeno ou não existente e a quase totalidade dos casos de malária registrada é importada da Amazônia Legal ou de outros países, principalmente da África. Como, em geral, não é possível eliminar os Anopheles nas áreas onde a transmissão já foi interrompida, existe o risco de ocorrer eventualmente reintrodução da malária [Tabela 2].
Tabela
2
MALÁRIA
- TRANSMISSÃO FORA DA REGIÃO AMAZÔNICA
Número
de casos por Estado: 1999 - 2006
Estado/Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006* Bahia 0 1 72 14 71 1 0 0 Ceará 0 2 0 402 4 3 1 2 Distrito Federal 0 0 0 0 0 0 2 0 Espírito Santo 13 5 14 0 0 74 68 39 Goiás 2 24 0 5 0 10 9 0 Mato Grosso do Sul 0 0 2 38 0 1 0 0 Minas Gerais 0 0 14 1 31 2 17 0 Paraná 47 16 133 106 5 4 2 7 Pernambuco 0 0 0 0 0 15 2 0 Piauí 3 29 13 9 38 120 23 25 Rio de Janeiro 1 0 0 1 19 2 3 3 Rio Grande do Sul 0 0 0 0 0 1 2 1 Santa Catarina 0 0 0 0 0 4 1 1 São Paulo 0 3 0 4 20 12 30 57 Total
66
80
248
580 188 249
160 135
* dados sujeitos à revisãoFonte: Ministério da Saúde - Secretaria de Vigilância em Saúde, 2007 |
O risco de malária depende do itinerário e da duração da viagem. Não existem vacinas disponíveis contra a malária. Para estar o mais protegido possível, o viajante deve estar informado sobre os riscos de aquisição da doença, empregar medidas de proteção adequadas e estar ciente que todos os métodos de prevenção podem falhar.
A transmissão de malária ocorre em áreas que, em geral, também são de risco potencial para febre amarela (a vacina deve estar atualizada) e também para dengue. Devem ser adotadas, portanto, medidas de proteção contra infecções transmitidas por insetos, que são as mesmas empregadas contra a febre amarela e o dengue. A transmissão dessas doenças pode ocorrer ao ar livre ou no interior das habitações.
O viajante deve usar roupas impregnadas com substâncias à base de permetrina ou deltametrina e, sempre que possível, calças e camisas de manga comprida. Nas áreas expostas do corpo deve utilizar repelentes contra insetos à base de dietiltoluamida (DEET), sempre observando a concentração máxima para crianças (10%) e para adultos (50%). Além disso, deve procurar hospedar-se em locais que disponham de ar-condicionado, com telas protetoras contra mosquitos, ou utilizar mosquiteiros impregnados com permetrina e, nos ambientes onde for dormir, inseticida em aerosol (em hipótese alguma empregar na pele). Não existe comprovação da eficácia do uso de vitaminas do complexo B ou de pílulas de alho na profilaxia da malária (ou de qualquer outra doença transmitida por vetores).
O uso de medicamentos (quimioprofilaxia) está indicado para pessoas que se dirigem para áreas com risco de transmissão de malária, principalmente se vão ficar sem acesso aos Serviços de Saúde. O emprego de medicamentos profiláticos não deve ser feito sem prescrição médica especializada. A seleção das drogas para o esquema profilático mais adequado para uma determinada área depende do grau do risco existente, das espécies de Plasmodium predominantes e da sua resistência às drogas, e do risco de efeitos colaterais.
Drogas como a cloroquina e a mefloquina, podem ter efeitos colaterais importantes ou serem ineficazes, se tomadas em doses e por períodos inadequados. A cloroquina pode piorar os sintomas de psoríase, e ocorre resistência do Plasmodium falciparum a essa droga na maioria das áreas de transmissão. A mefloquina, uma opção para áreas onde ocorre resistência à cloroquina, não pode ser utilizada por crianças com peso menor do que cinco quilos e durante o primeiro trimestre de gravidez. Além disso, está contra-indicada em pessoas com antecedentes de epilepsia, distúrbios psiquiátricos, alterações de condução cardíaca (arritmias), em uso de beta-bloqueadores ou que exerçam atividades que necessitem coordenação e discriminação espacial (como pilotos de avião). A quimioprofilaxia deve em geral ser iniciada uma semana antes da entrada em área de transmissão, para a detecção de possíveis efeitos colaterais, e mantida por quatro semanas após o retorno.
Não obstante todas as medidas de prevenção, inclusive a utilização de medicamentos profiláticos, o viajante pode contrair malária. O viajante que passou por uma área de risco para malária e que apresente febre, durante ou após a viagem, deve procurar rapidamente um Serviço de Saúde para esclarecimento diagnóstico. É importante observar que, como as áreas de transmissão podem ser as mesmas, além de malária, sempre deve ser afastado o diagnóstico de febre amarela, e investigada a possibilidade de dengue.
Manifestações
O desenvolvimento das
manifestações da malária,
em geral, ocorre entre 9 e 40 dias (período de
incubação)
após a picada de um mosquito infectado, dependendo da
espécie
de Plasmodium. Podem, no entanto, surgir meses ou,
eventualmente
anos, depois da saída de uma área de transmissão
de
malária. As manifestações
iniciais são
febre, sensação
de mal estar, dor de cabeça, dor muscular, cansaço e
calafrios.
Nas fases iniciais, é comum que o viajante confunda as
manifestações da malária com as das viroses
respiratórias ("gripe").
É importante investigar a hipótese de malária em toda pessoa que tenha sido exposta ao risco de infecção - comumente viagem a uma área de transmissão - e apresente qualquer tipo de febre. A confirmação do diagnóstico em um indivíduo com suspeita de malária é uma emergência médica e um teste laboratorial adequado deve ser realizado o mais rápido possível. O exame padrão para a confirmação do diagnóstico de malária é a visualização dos parasitas em lâminas de sangue periférico (distensão ou gota espessa) preparadas com a utilização de um corante (como o Giemsa). O intervalo de tempo entre a colheita de sangue e a observação ao microscópio é de cerca de 20 minutos para a distensão e de 1 hora e 20 minutos para a gota espessa. A quimioprofilaxia, ainda que possa aumentar o período de incubação, de modo algum “mascara” as manifestações clínicas da malária ou torna mais difícil a confirmação do diagnóstico.
A identificação correta da espécie de Plasmodium infectante é fundamental para o tratamento adequado da pessoa doente. Além disto, em áreas não endêmicas, a confirmação é importante para a adoção de medidas que reduzam o risco de reintrodução da doença. A comprovação do diagnóstico de malária não afasta a possibilidade de febre amarela, uma vez que as áreas de transmissão, em geral, são as mesmas. Pelo mesmo motivo, a confirmação do diagnóstico de febre amarela não exclui a possibilidade de malária.
Na última década foram
desenvolvidos testes
rápidos
de confirmação diagnóstica, com base na
detecção
de antígenos parasítários. Embora alguns destes
métodos
sejam promissores, nenhum parece, ainda, ser uma alternativa
razoável
para o método clássico na confirmação ou
exclusão
do diagnóstico individual de malária, por
não
serem suficientemente sensíveis e específicos. O Cives
não
recomenda utilização de testes
rápidos
pelos viajantes para confirmar ou excluir o diagnóstico de malária,
uma vez que nestas circunstâncias os resultados são
completamente
não confiáveis.
Página Principal | Doenças Infecciosas | Informação para o Viajante |
©1998-2007 |
Os textos
disponíveis
no Cives são, exclusivamente, para uso individual. O
conteúdo
das páginas não pode ser copiado, reproduzido,
redistribuído
ou reescrito, no todo ou em parte, por qualquer meio, sem
autorização
prévia. Créditos: Cives - Centro de Informação em Saúde para Viajantes |