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Centro de Informação em Saúde para Viajantes

Sífilis

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uciana GF Pedro,Terezinha Marta PP Castiñeiras & Fernando SV Martins

A sífilis (lues) é uma doença sexualmente transmissível (DST) sistêmica causada uma bactéria (espiroqueta), o Treponema pallidum. A manifestação inicial é uma lesão ulcerada indolor em pele ou mucosa, geralmente na região genital, que desaparece mesmo sem tratamento. Quando não tratada, a sífilis pode permanecer assintomática e continuar evoluindo por meses ou anos e resultar em quadros graves. Em mulheres a infecção pode ocasionar, durante a gestação, a transmissão da sífilis para o concepto. A sífilis não confere imunidade permanente e a doença pode ocorrer mais de uma vez em uma mesma pessoa.

Transmissão

A sífilis geralmente é transmitida de uma pessoa para outra durante relações sexuais. O risco de transmissão é maior nos estágios iniciais da doença, com redução gradual ao longo do tempo. As lesões da sífilis primária e secundária são altamente infectantes e estima-se que a transmissão ocorra em aproximadamente um terço dos indivíduos expostos. A sífilis também pode ser transmitida através do sexo oral ou, quando há presença de lesão na mucosa da boca, do beijo. A transmissão, também pode ocorrer através da placenta durante a gestação (sífilis congênita) ou, mais raramente, por transfusão de sangue contaminado (sífilis transfusional). A doença não é transmitida através do contato com assentos de vasos sanitários, piscinas, banheiras, roupas, utensílios domésticos (garfos, colheres, facas etc.). A sífilis não confere imunidade permanente e, em razão disto, pode ocorrer reinfecção em caso de nova exposição.


Riscos

Os riscos de aquisição de sífilis existem em todo o mundo, principalmente onde a prática do turismo sexual é comum. Estima-se a ocorrência de 12 milhões de casos novos por ano no mundo, cerca de 90% dos quais nos países em desenvolvimento. O Sul e Sudeste Asiático são as regiões com maior número de casos registrados, seguidos pela África sub-Saariana. No Brasil não se têm dados precisos sobre a incidência da doença, uma vez que apenas a sífilis em gestantes e a congênita fazem parte da Lista Nacional de Doenças de Notificação Compulsória.

A prática de atividades sexuais desprotegidas é mais freqüente durante viagens e o risco de aquisição das DST depende exclusivamente do comportamento do viajante. Até 50% dos viajantes referem contato sexual durante viagens e esta proporção é ainda maior nas de longa duração. A sensação de anonimato e o uso de bebidas alcoólicas ou drogas ilícitas podem diminuir a capacidade de julgamento do indivíduo, facilitando a prática desprotegida de atividades sexuais com parceiros (homens ou mulheres) de maior risco, como os profissionais do sexo. O risco de transmissão sexual é maior nos estágios iniciais da doença, com redução gradual ao longo do tempo. Uma pessoa infectada pode transmitir a doença para outra sem saber, pois muitas vezes a lesão inicial não é percebida. Por óbvio, uma pessoa que contraiu sífilis também ficou exposta ao risco de aquisição de outras DST (Aids, hepatite B etc.). O risco de transmitir ou adquirir infecção pelo HIV é de até cinco vezes maior em pessoas com sífilis, uma vez que as lesões ulceradas podem sangrar com relativa facilidade e, adicionalmente, representam uma ruptura da integridade dos mecanismos de defesa da pele. Atualmente a transmissão de sífilis através de transfusão de sangue é incomum nos países e regiões onde é realizada sistematicamente a triagem clínico-epidemiológica e a testagem dos doadores de sangue. Além disto, T. pallidum não consegue sobreviver por mais de 24-48 horas nas condições ideais de estocagem do sangue utilizadas nos bancos de sangue.


Medidas de proteção

O viajante deve adotar as medidas de proteção contras as DST. A única forma segura de prevenção das DST, inclusive da sífilis, é a abstinência sexual. No entanto, o uso correto de preservativos pode reduzir significativamente o risco de transmissão. Para aqueles viajantes que consideram a abstinência sexual impraticável, está recomendado o uso sistemático de preservativos, inclusive durante sexo oral. Todo indivíduo que apresente ou tenha apresentado lesão ulcerada em genitália, aumento dos gânglios inguinais, corrimento ou dor à micção deve procurar imediatamente assistência médica. Adicionalmente, é desejável que os assintomáticos que se expuseram a situações de risco de aquisição de DST também procurem orientação médica.

A prevenção da sífilis congênita depende do diagnóstico da infecção em mulheres grávidas. Todas as grávidas devem ser submetidas à triagem sorológica (VDRL) para sífilis  na primeira consulta pré-natal e, em áreas onde a prevalência da infecção é alta, também na 28 semana de gestação e no pós parto imediato.
Quando o diagnóstico de sífilis é confirmado, as gestantes devem ser imediatamente tratadas para evitar a transmissão da doença para o concepto. Adicionalmente, as gestantes com sífilis devem ser  testadas para infecção pelo HIV. A testagem dos recém nascidos para sífilis não é recomendada, uma vez que os exames podem ser não reativos quando a mãe tem testes sorológicos com títulos baixos ou quando a infecção ocorre próximo do final da gestação.

Manifestações

Cerca de três semanas após a infecção surge uma lesão ulcerada indolor em pele ou mucosa (sífilis primária), geralmente na região genital, que desaparece mesmo sem tratamento. Em seguida a doença evolui (dias, semanas) para o aparecimento de exantema (manchas avermelhadas) na pele (sífilis secundária), que também pode regredir sem tratamento. Após a involução das manifestações secundárias a pessoa fica inteiramente assintomática e, quando não tratada, evolui silenciosamente (sífilis latente) por anos antes de surgirem novas manifestações (sífilis terciária), que podem incluir comprometimento cardíaco, neurológico e ocular. A infecção de mulheres pode resultar, durante a gestação, em transmissão da doença para o concepto.

Sífilis primária

Após a infecção, entre 3 e 90 dias (em média, três semanas) pode surgir uma pápula (lesão elevada e arredondada) no local da inoculação do T. pallidum, que evolui em pouco tempo para ulceração de base endurada (cancro duro) indolor, geralmente única, de 1 a 2 cm de diâmetro, com bordas elevadas, na pele ou mucosas (genital, lábios, boca) que caracteriza a sífilis primáriaQuando a sífilis primária não é tratada pode ocorrer disseminação de T. pallidum através da circulação sanguínea e a doença continua a evoluir, embora a pessoa não apresente qualquer manifestação. A lesão ulcerada permanece por três a seis semanas e desaparece mesmo sem tratamento, o que não significa que a doença foi curada. É importante levar em consideração que a lesão ulcerada pode não ser percebida, por ser indolor ou se localizar em regiões de difícil visualização (ânus, parte interna da vagina).

Sífilis secundária

As manifestações da sífilis secundária surgem algumas semanas ou meses após o desaparecimento da lesão ulcerada, em cerca de 25% dos indivíduos não tratados. A manifestação mais comum  é o exantema cutâneo (manchas avermelhadas) disseminado, que pode ser observado inclusive nas mãos (palmas) e nos pés (plantas). O acometimento cutâneo geralmente está associado à febre baixa, dor no corpo, dor de garganta, perda do apetite, emagrecimento, dor articular e aumento generalizado dos gânglios. Pessoas com sífilis secundária podem ou não ter história de lesão ulcerada. A lesão inicial pode não ter sido notada, por ser indolor ou se localizar em áreas em que não pode ser vizualizada com facilidade. Placas acinzentadas (condiloma lata) podem surgir em áreas úmidas, como a cavidade oral e região genital, em pessoas com sífilis secundária.Estas lesões possuem uma grande quantidade de microorganismos e são altamente infectantes. Em alguns casos, a sífilis secundária ocorre quando a ulceração incial ainda está presente, o que é mais comum em indivíduos infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV).

Sífilis latente

A expressão sífilis latente designa o período que se segue ao desaparecimento das manifestações da sífilis secundária. A pessoa fica completamente assintomática por meses ou anos, embora esteja infectada pelo T. pallidum e a doença continue a evoluir.

Sífilis terciária

Entre 25 a 40% dos indivíduos não tratados evoluem para sífilis terciária, apesar da regressão das manifestações clínicas iniciais. As manifestações da sífilis terciária podem ocorrer entre um e trinta anos após a infecção inicial. Em estágios mais avançados, pode haver o comprometimento cardíaco, neurológico, ocular, hepático, pele, tecido subcutâneo, articulações e ossos. O comprometimento cardíaco mais comum da sífilis terciária é a dilatação (aneurisma) da porção ascendente da aorta. Adicionalmente, pode ocorrer mau funcionamento da válvula aórtica, que pode levar à insuficiência cardíaca de instalação lenta.  O envolvimento do sistema nervoso central pode ocasionar demência, alterações de personalidade (quando acomete o cérebro) e dificuldade de equilíbrio para andar (quando há o comprometimento da medula). As lesões oculares podem resultar em cegueira progressiva. As gomas sifilíticas são lesões nodulares resultantes de reação de hipersensibilidade ao T. pallidum, que sofrem processo de degeneração e evoluem cm cinco fases (infiltração, amolecimento, supuração, ulceração e cicatrização). As gomas,  raramente observadas atualmente, não são infectantes e, ainda que mais comuns em pele e mucosas, podem ocorrer em qualquer parte do corpo, inclusive em ossos.

Sífilis congênita

Durante a gravidez, a sífilis materna sem tratamento pode resultar em abortamento, parto prematuro, recém-nascido com sinais clínicos de sífilis congênita ou, mais freqüentemente, no nascimento de uma criança aparentemente saudável que desenvolve manifestações posteriormente. A transmissão da mãe para o concepto pode ocorrer em qualquer período da gestação e em qualquer estágio da doença, sendo mais frequente em gestantes com sífilis primária ou secundária (taxa de transmissão de até 50%). Mas mesmo nos casos de sífilis assintomática, a transmissão ocorre em até 40% das gestações quando a infecção foi adquirida há menos de um ano e em até 10 % nos casos de sífilis terciária. A morte intra-uterina ocorre em até 25% dos conceptos infectados, com uma mortalidade adicional de 25 a 30% no período periparto, quando não são tratados. Dos recém-nascidos com sífilis que sobrevivem, cerca de 2/3 são assintomáticos. As manifestações clínicas podem surgir precocemente (até dois anos de idade) ou posteriormente. Lesões cutâneas com acometimento de palmas e plantas, icterícia (olhos amarelado), anemia e aumento do baço e do fígado são manifestações comuns e que ocorrem precocemente, em geral nas primeiras cinco semanas de vida. Após dois anos de idade, a criança pode apresentar deformidades ósseas (em face), alterações dentárias, cegueira e surdez. As manifestações tardias podem ser evitadas se o recém-nascido for tratado nos três primeiros meses de vida.

Confirmação do diagnóstico

Como o T. pallidum é uma bactéria que não é cultivável em laboratório, o diagnóstico de sífilis geralmente se baseia em exames sorológicos ou, menos comumente, na visualização direta do microorganismo em material clínico (como o raspado de lesões ulceradas). Os exames sorológicos são métodos que dependem da produção de anticorpos em resposta à infecção. Em razão disto, nos estágios iniciais da doença, uma sorologia não reativa não descarta a possibilidade de sífillis. Cerca de 30% das pessoas com sífilis primária, em vigência de lesões ulceradas, têm sorologia não reativa, pois ainda não desenvolveram anticorpos. Para a visualização direta do T. pallidum é necessário equipamento apropriado (microscópio de campo escuro) e pessoal técnico treinado, o que limita a realização deste método diagnóstico a alguns laboratórios de referência.

A triagem sorológica comumente é feita com a relização do VDRL (Venereal Disease Research Laboratories). O resultado dos exames reativos do VDRL é expresso em títulos de anticorpos (1/2, 1/4, 1/16, 1/32 etc.) e pode ser utilizado para o acompanhamento da resposta ao tratamento. Um VDRL reativo (mesmo títulos baixos) deve ser interpretado como possível diagnóstico de sífilis. Contudo, o VDRL pode ter resultados falso reativos, comumente com títulos baixos, em algumas condições (gestação, doenças febris agudas, malária, tuberculose, doenças hepáticas crônicas, neoplasias em estágios avançados, lupus eritematoso sistêmico). Por este motivo, quando o VDRL é reativo, é recomendável a realização de um outro método sorológico, como o FTA-ABS (Fluorescent Treponemal Antibody Absorption Test) para a confirmação do diagnóstico. Adicionalmente, a presença de anticorpos em títulos elevados pode, paradoxalmente, ocasionar um resultado (falso) de VDRL não reativo. O fenômeno é denominado efeito prozona e pode ser revertido com a simples diluição do soro testado.


Tratamento

O tratamento da sífilis é feito com antibióticos (em geral penicilinas) e o esquema deve ser adequado ao estágio da doença. O tratamento deve ser seguido rigorosamente, de acordo com a orientação médica. O parceiro sexual, necessariamente, também deve ser tratado. O tratamento adequado da grávida com sífilis evita o adoecimento do concepto. O VDRL pode ser empregado para acompanhamento da resposta à terapêutica, uma vez que os títulos diminuem e a pessoa pode deixar de ter resultados reativos. O FTA-ABS não é utilizado para a triagem sorológica ou para o acompanhamento de resposta à terapêutica porque permanece reativo mesmo após tratamento correto da doença.

Disponível em 11/01/2009, 22:16 h

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