Universidade Federal do Rio de Janeiro
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Centro de Informação em Saúde para Viajantes


Inundações, doenças e vacinas

Fernando S. V. Martins, Terezinha Marta P.P. Castiñeiras

Em situações de desastres, como inundações, há uma demanda natural da população por medidas que possam minimizar os efeitos e os riscos decorrentes. Em resposta, não raro, vê-se - por alguma razão, não muito clara - o estabelecimento de "campanhas" de imunização e, por vezes, tentativas de distribuição de medicamentos "profiláticos" para as populações atingidas. Essas medidas, além de técnicamente incorretas, são improdutivas e desviam recursos e força de trabalho das ações que realmente são efetivas. Além disso, podem dar à população uma falsa sensação de segurança, levando-a a não observar regras básicas de higiene e a não procurar rapidamente as Unidades de Saúde em caso de adoecimento. As ações para minimizar os riscos de  infecções e de suas possíveis conseqüências devem ser imediatas e efetivas. É essencial que as populações atingidas tenham acesso a:

As inundações aumentam os riscos de aquisição de doenças infecciosas transmitidas de água contaminadade através contato ou  ingestão, como leptospirose, hepatite A, hepatite E, doenças diarreicas (Escherichia coli, Shigella, Salmonella) e, em menor grau,  febre tifóide e cólera. As chuvas, e não as inundações, podem também facilitar a ocorrência de dengue, uma vez que o acúmulo de água relativamente limpa em qualquer recipiente (vasos de plantas, latas, pneus velhos etc.) permite a proliferação do Aëdes aegypti. O controle desse mosquito também é fundamental para manter as cidades livres da  febre amarela, doença que não é transmitida nos centros urbanos desde 1942.

A leptospirose, a hepatite A , hepatite E, as doenças diarreicas e a  febre tifóide ocorrem mais comumente em áreas onde a infra-estrutura de saneamento básico é inadequada ou inexistente. Podem ser adquiridas pela ingestão de água e alimentos contaminados pelas inundações (leptospirose , hepatite A, hepatite E, doenças diarreicas, febre tifóide e cólera) ou através do contato direto das pessoas com a água e a lama das enchentes (leptospirose).

A leptospirose é causada por uma bactéria, a Leptospira interrogans, que é eliminada através da urina de animais, principalmente o rato de esgoto, e sobrevive no solo úmido e na água.  As inundações facilitam o contato da bactéria com seres humanos. A Leptospira interrogans pode penetrar no organismo através do contato da pele e de mucosas com a água e a lama das enchentes. A infecção também pode ocorrer por ingestão, uma vez que as inundações podem contaminar a água de uso doméstico e os alimentos. As manifestações, quando ocorrem, aparecem entre 2 e 30 dias após a infecção. A distribuição indiscriminada de antibióticos para a população como profilaxia da leptospirose é tecnicamente inadequada. Além de ser ineficaz para evitar ou controlar epidemias, desvia inutilmente recursos humanos e financeiros. É mais racional diagnosticar e tratar precocemente os casos suspeitos. As manifestações iniciais da leptospirose são clinicamente indistingüiveis das do dengue.

A hepatite A é causada por um vírus. A transmissão do vírus da hepatite A é fecal-oral, e pode ocorrer por meio da ingestão de água e alimentos contaminados ou diretamente de uma pessoa para outra. A infecção é muito comum onde o saneamento básico é deficiente ou não existe, mesmo sem a ocorrência de inundações. Como conseqüência, a maioria da população dessas áreas foi infectada quando criança e tem imunidade contra a doença. Em crianças, a hepatite A é freqüentemente assintomática ou tem manifestações discretas. A vacinação contra a hepatite A, que ainda tem custo elevado, é feita com duas doses, observando-se um intervalo de seis meses entre elas. Poderá ser mais útil quando for introduzida no esquema básico de imunização da infância. A hepatite E, para a qual ainda não existe vacina disponível, tem  transmissão e evolução semelhantes às da hepatite A, porém está mais associada a inundações. A hepatite B é transmitida por relações sexuais e por transfusões de sangue. A vacinação produz imunidade apenas após a aplicação de três doses, que são feitas ao longo de seis meses. Portanto, a vacinação contra a  hepatite B  não é procedimento útil em caso de enchentes.

A febre tifóide é uma doença causada pela Salmonella typhi, uma bactéria que é adquirida através da ingestão de água e alimentos contaminados. Durante as inundações não parecer haver risco significativo de epidemias, uma vez que para ocorrer infecção é necessário a ingestão de uma grande quantidade (inóculo) de bactérias (possivelmente  há uma "diluição"). Pode haver contudo, contaminação de poços, sistemas de abstecimento e de alimentos, com subsequente proliferação bacteriana possibilitando a ocorrência de casos. As vacinas (injetável ou oral) contra a febre tifóide conferem apenas proteção transitória em 40-90% das pessoas e não estão indicadas para evitar a ocorrência de epidemias. A profilaxia mais efetiva é feita através do tratamento correto da água e da preparação adequada de alimentos.

O tétano é causado pela contaminação de ferimentos com o Clostridium tetani, uma bactéria  que é encontrada normalmente no ambiente (solo, esterco, superfície de objetos). Os transtornos causados pelas enchentes (remoção de entulhos e lama etc.) podem ser fatores facilitadores para ferimentos. Pode parecer que a vacinação em massa contra o  tétano é uma medida útil. Não é. Ao contrário, pode criar uma falsa sensação de segurança. Uma pessoa que nunca tenha sido vacinada não ficará imunizada contra o tétano com apenas uma dose. A profilaxia do tétano será feita mais adequadamente em uma Unidades de Saúde, uma vez que envolve cuidados com o local do ferimento e depende da história de vacinação. Se o indivíduo nunca tiver sido vacinado ou estiver com o esquema vacinal incompleto, o que é o caso de grande parte da população adulta, pode ser necessário que, dependendo do tipo de ferimento, além dos cuidados com o local do ferimento e da vacina, receba também imunização passiva (imunoglobulina antitetânica ou, na sua falta, soro antitetânico). Em adultos não vacinados, o esquema completo é feito com três doses. A vacina deve, portanto, estar disponível nas Unidades de Saúde, onde o risco de tétano poderá ser corretamente avaliado.

Atualizado em 06/10/2008, 11:27 h

Leptospirose Hepatites Dengue
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